25 de setembro de 2010

Sobre pés e rosas

Olhares diagonais se cruzam
Em ângulos regulares.
Mãos sangrando suavizam
Ouvidos doloridos.
Há uma rosa florescendo
Em meio aos
Trilhos aquecidos,
Que, apertados,
Gritam alto
Aos fios de cobre
De elétron.
Olhares singelos enfiam-se
Entre as pernas
Em ângulos obtusos.
Pés descalços não caminham
- é proibido!
Descalços, por não caminhar,
Voam alto
Até o azul do céu ou
Do mar.
Cansados em não achar,
Com seus pés descalços
Voltam a cantar.
E entre os trilhos, agora,
Nasce a rosa e cantam
Os pés descalços,
Escaldados,
A rosa e os pés viram chão,
Não há pra eles olhares diagonais
Ou obtusos
Apenas escória de pés calçados.

Mistura matinal

Estou cercada de ternos e gravatas
com fone de ouvidos para emudecer os ouvidos.
Tu.Tu.Tu.
Dentro de uma serpente viva levando gente morta.
Em um metal gelado que corre nos trilhos,
com pessoas geladas que correm atrás de emprego.
Pela janela sinto o céu de brigadeiro.
Mentira.
Não é verdadeiro.
Não há céu e  nem mais canteiro.
Só há terra se quebrando por concreto.
Só há concreto se juntando a terra.
Só há concreto se rachando. 
Disseram que o mundo ia acabar,
mas não acabou.
O mundo não, 
os bípedes, sim! 
                (Selenita e Amora)

História do amor sem fim

Veja,
Essa história tá meio sem meio
Mas, pensando bem,
Ela nunca teve um começo
Pelo menos assim nunca terá fim.

24 de setembro de 2010

Ponteiros

Quero, em mim
Mais música
Assim,
Toco em ti
O que há aqui,
Sem fim.
Quero a segunda
Pessoa do
Singular
Junto à primeira
Num eterno e
Constante plural
Quero o tic tac
Do ponteiro menor
EncostandoNOMAIOR
Corrida permanente de um pelo outro.

7 de setembro de 2010

Confrontos internos (in)acabados

Quê calafrio. Pêlos e pupilas paulatinamente transferem-se de lugar. Tomam rumos distintos, mas advindos de uma mesma vertente – o sentir. Sinto as ligações neurônáticas neuraseando minha mente pouco desvairada. Pulsantes elas vão de encontro umas com as outras e teth-a-teth duelam-se. Ah! É a luta da consciência e da moral. Da razão e da emoção. Do viver e do deixar-se viver.

Cigarro. Café. Caneta em mãos. Nada mais constrangedor que olhar o relógio às 02:49 da madrugada e não ver o lado direito da cama ocupado. Mais triste, porém, é perceber que o fim começou antes mesmo de ser início e que o início nunca existira. Fruto de uma mente em aperto e coração embrulhado. Deitei os braços na janela, dei de cara com o vento. Malandro, o rapaz puxou meu cigarro fora. Virou cinzas ao ar, pro ar. Ao menos isso eu posso deixar como herança – as cinzas.

Ouvi o abrir das portas da garagem, o motor resfriando. Até me deu vontade de descer, mas a razão gritou de dentro de mim e subiu aos neurônios já calibrados. Ouvi seus passos vagarosos subindo as escadarias da sala, já era três da manhã e ele não havia nem ao menos ligado, avisando. Era o tudo ou nada. Era de fato, o fim da chegada – de sua chegada.

Seu perfume escoa facilmente em minhas narinas e minha memória não falha, é inconfundível. Finjo estar dormindo ou já o abordo na porta? Calma. Silenciar-se é o melhor remédio para os corações mal curados e também para as desculpas mal lavadas. Entrou, abriu o closet e lá resgatou, sem olhar, aquele seu pijama mais antigo, aquele que mamãe havia lhe dado em nosso primeiro ano de casamento.

Deitou-se ao meu lado e virou-se, como de costume, para fora da cama – e fora de mim. Fora de sintonia há mais de um ano, fora de amor, de sexo ou de dor. Éramos assim como dois planetas que vagam o mesmo universo, porém, separados por anos luz.

Não há nada mais sincero que uma verdade não dita. Não há. Não há eu sem nós, aliás, não existiria gramática, não haveria por quê. Eu é quando nós somos. E nós ser quando tu está. Em Dó maior ou Lá com sétima, arranho o céu ao pé do ouvido. Segredos de liquidificador você encosta em meus lábios, e o  coração vai a mão quando são tuas as mãos que me ouvem. Fico assim ao seu lado, de sentido revirado. Paladar e olfato viram tato. Que tato.

Mas seu silêncio soou tão alto que meus ouvidos logo se tampavam ao que (não) dizia. Não quis ouvir. Me fiz de surda e gritei alto, como se grita uma criança com fome. Foi em um instante uma borboleta em seu casulo, tendo que esperar um dia mais para sair. E você dormiu ali, ao meu lado. Calado. É nessas horas que volto a tomar meu calmante. Com café e um pouco de conhaque. São tantas projeções.