26 de novembro de 2010

CIDA.de

A CIDA.de cresce para todos os lados, no correr das raízes metálicas subterrâneas. Enquanto isso, as formigas sustentam as cigarras-mestras, e estas cantam e riem da chuva que afoga os pequenos seres desprotegidos. Pisadas. Soterradas. Ignoradas.


 Vão as formigas delinqüentes, após o período sazonal da empreitada. Já proporcionado o bem-estar de outrem, são então, expulsas da terra cultivada. Pura propriedade alheia. Não há espaço para uma formiga, na imensidão dessa CIDA.de.


Não há buraco que resista à tempestade de ganância que advém das pomposas cigarras e seu canto de ingratidão. Não há maioria que hesite à força de raios e trovões mentais, que nascem das mentes ignorantes. A CIDA.de é o impesti.CIDA das formigas operárias. Que, depois de sol, chuva e relento, voltam cansadas para seus buracos pelas raízes de metal subterrâneas.


Cida - sufixo originário do latim, caedere, significa matar

14 de novembro de 2010

Selenita em " A Caixa Laranja do Arco-íris Dourado"

Selenita realiza, assim como centenas de milhares de mulheres, uma dupla jornada de trabalho. É secretária de um advogado falido no centro da cidade. Dr. Miguel. E, além disso, ao chegar em sua casa passa roupa, lava copo, estende roupa e pinta o cabelo. Vinte e quatro horas multiplicadas por três ao cubo. É essa a impressão que se tem observando essa dona.

Selenita é uma alavanca, daquelas que aprendemos em física, mais precisamente em mecânica. É só fazer a associação. Não olha nem para os próprios pés. Levanta-se às sete da manhã, sempre com o pé direito, pois isso já a direciona para o guarda-roupa, de onde recolhe sua calça preta de veludo e uma camisa branca amarelada, assim como todas outras que ainda tem. Depois escova os dentes. Toma café. Escova de novo os dentes e faz uma trança no cabelo (dá mais credibilidade, um dia lhe disseram).

Assim, toma trem. Metrô. Trem. Metrô, todos os dias e chega a seu trabalho. Passa oito horas em uma sala de três metros quadrados ao lado de um telefone e um computador Windows 98 – haja paciência. Tchau Doutor. Adeus, boa noite. Até amanhã. Ônibus. Metrô. Metrô. Trem outra vez.

Certa noite chegou em seu apartamento, abriu a porta da sala e, cansada, foi direto para o quarto. Sentou na cama. Parou. Olhou. Há tempos olhava sem ver nada. Nem sequer se tocava. Era uma máquina. Só mais uma máquina, entre um milhão de outras. Porém, nesse dia se olhou, tocou-se e achou. Se achou. Olhou seu quarto empoeirado pelo tempo. Sua cama, há tempos com extrato quebrado. O retrato na parede que agora te olhava sem parar. Ele sempre esteve ali. Só agora, Selenita o notava.

Sua escrivaninha. O telefone fora do gancho. Se isolou nessa sua ilha. Era mais uma máquina, somente. Uma máquina em uma ilha. Mas naquela noite, a verdadeira  Selenita reascendeu. Sua escrivaninha ainda estava ali. Abaixo dela uma caixa, tão empoeirada quanto tudo naquela casa. Abismou-se, pois há tempos não via esta, que, há certo tempo guardou todos os seus segredos, que hoje tão bobos lhe parecem.

Era a caixa laranja do arco-íris dourado. Era assim que Selenita chamava seu cofre de papel, pois para ela ali estava seus maiores tesouros. Tirou o pó com as mãos. Chacoalhou, tentado lembrar o que ali guardara.

Percebeu naquele momento que sua memória pouco a pouco se perdia. O presente não vivia. Pro futuro não tinha planos. E do passado sequer lembrava. Balançou de novo, nada ouviu. Foi aí que sentiu. E as memórias pouco a pouco lhe foram sendo constituídas.

Com esforço abriu a caixa que já estava velha e por pouco não se abrira. Abriu! Um toque de luz lhe foi inserido no corpo, na alma. Olhava com carinho aqueles pedaços de papel rabiscado, pintado, escrito. Tempos em que ainda escrevia. Em que ainda enxergava e em que ainda sentia.

Sua infância toda veio à tona. Seu mundo empoeirado se constituiu de laranja do arco-íris dourado... E se pôs a ler seus antigos, mas muito atuais versos. E aí se lembrou do seu passado e começou, a partir daí viver seu presente e trilhar seu futuro. Agora tinha razão para viver. Tinha uma história, não era só máquina e tinta no cabelo. 

12 de novembro de 2010

NADA

Quase todos os pássaros se foram
E o que sobrou?
Migalhas cozidas em chão de rapina
Quase todas as flores morreram
E o que restou?
Cores invertidas e perfumes coalhados
Quase todas as folhas já caíram
E o que ficou?
Galhos rabiscados e letras quebradas
Quase todas as notas se tocaram
E o que sobrou?
Um mi menor com sétima dedilhado
Todo o alfabeto foi escrito
E o que restou?
Uzbequistanês em Braille aprendido em Libras
Toda a política se fez
E o que ficou?
Platão fazendo uma gazeta no banheiro
Toda a rua se fez concreta
E o que sobrou?
Mudas
Todo o carro virou avião
E o que restou?
Previsão de hoje: nublado!
Todo livro já foi lido
E o que ficou?
Cento e quarenta caracteres
Todo prédio de desmoronou
E o que sobrou?
Almas sem-teto
Todo o céu desceu
Virou inferno
Todo diabo se fez anjo 
E todo anjo se fez bicho
E Todo o bicho se fez gente
E o que sobrou?
(NADA)

6 de novembro de 2010

Hold me

Essa senda parece não acabar
Mas do quê importa a estrada
quando se pode voar?

Ame e voe, 
por mais que algumas quedas
sejam doloridas, 
o importante é ter aprendido a voar!