31 de dezembro de 2011

Um valete de copas nas mãos

É preciso continuar lendo os caminhos pelos quais os nossos passos se passam. Sejam rasos, fundos ou largos. Rasos como a calçada que se torna funda após a tempestade. Fundo como o rio que se torna raso, depois da seca. Largo como é essa vontade de continuar alargando o tempo, toda vez que vivo sem tentar manipular o agora. Largo como é o desejo de largar mão desses valetes de paus que teimam em permanecer em minhas mãos, à espera do próximo adversário. 

Bom mesmo era quando a gente sequer conhecia o nome do jogo e chamava o naipe de paus de ‘florzinha’ e o de copas de ‘coração’. Coração vermelho. Agora, as cartas que antes ficavam guardadas na manga já vêm todas à mostra. Vêm todas preparadas para o granfinalle: arrasar os corações de copas. Sim, os vermelhos! Mas também os pretos, azuis, amarelos e aqueles sem cor. 

Não me interessa mais virar o jogo, mas sim ir para o outro lado da mesa. (Colocar-se diante de si próprio e parar de jogar consigo mesmo é tarefa mais árdua que vencer o vencedor). Se é pra jogar, que joguemos com as palavras. As escondidas por baixo dos olhares baixos. As ditas nos verbos que saem dos dedos estralando vértebras. Dê ao presente o presente de nele estar. 

27 de dezembro de 2011

Lux in Cida.dela

Quanta poesia há nas tantas formas de ver,sentir e escutar a CIDA.de.Sinto as imagens,escuto os sentidos e vejo todos os sons. Em nuvens de fumaça que a todo tempo saem dos carros ou daquelas que saem da boca dos fumantes.No bater do relógio ou dos carros da avenida.Do piscar das luzes dos postes ou dos nossos próprios olhos, ao observar tamanha abstração ,mesmo tudo sendo tão concreto.



13 de dezembro de 2011

Linha 3.4, estação nº2

Às vezes sinto que algumas notas vão escorrendo por entre os meus dedos sem que eu, de fato, queira que elas se partam. E quebradas vão. Arranhadas permanecem. De tanto tentar e não conseguir chegar ao tom exato.  

Aí, penso que é hora de novamente encontrar aquela dominante, pra voltar à tônica e, de novo, perder-me por entre novos acordes. Aquela sinfonia de trens passou rápido demais. Eu podia até sentir o baixo soando alto, enquanto do lado de fora os fios de metal faziam o som estridente de uma corda partindo.  E as notas quebradas se foram junto com a partida das cordas, dos acordes, dos sons. A música, assim como toda lembrança infortúnia, permaneceu. Mas sem ninguém pra tocá-la. 



6 de dezembro de 2011

Pedra que rola não cria limo

Há destinos que se entreabrem em meio a portas ainda semicerradas. Estas, na verdade, estão apenas aguardando a pulsação de um impulso a mais, em meio a tantos expulsares. Talvez, é chegada a hora de abandonar os “ex-sentidos”,  as "ex-estradas  tortuosas" e deixar se pulsar por um novo pulso. O que vejo, agora, é só o buraco de uma fechadura. Esta é a imagem do outro lado da parede. Desse muro que teima em separar as ilhas que são de carne e osso. Mas, desse lado da fronteira, a luta persiste e o medo também. Um dia, haveremos de chegar lá. Aonde? “Let It be”. 

Murro em ponta de música

E as palavras, bem diferente da música, continuam a te enganar, assim como o vidro engana a abelha que se arrebate contra ele. E ela morre, sem perceber a virtualidade na qual lhe colocaram. Sem perceber que murro em ponta de faca fura e mata. Sem perceber, mais uma vez, que foi enganada. E a música? Ah, ela diz por si só o que você quer pensar, sentir e, talvez, ouvir. 

27 de novembro de 2011

Misery

De repente estou escrevinhando e minha mente se transpõe para outro lugar. E me dá, então, uma grande vontade de escrever, mas eu já estava escrevendo. Mas é uma vontade de escrever sobre a miséria metafórica.

“A miséria. Mi- sé- ria. MI- nha miséria singela. SÉ-ria. RIA sem fim. E, entre a seriedade e a sutileza de se sentir miséria, ela se aclamava dona de minhas angústias. Dona de mim”

Misery. Misery. Misey. Cantava o músico da esquina, enquanto ao seu lado havia uma senhora com os seios à mostra, oferecendo ao filho a última seiva que  de seu corpo jorrava.  Misery. Misery. Misery. Lacrimejava a guitarra em meus ouvidos. Ao passo que escorria o leite aguado da boca da criança e, de seus olhos, descia uma água azeda, com gosto de sal vencido. Silhuetas mortas-vivas, de olhos cegos e ombros largados  passavam ligeiramente, atravessando os braços das vias, sem olhar o semáforo fechado.   

Do outro lado, um senhor tentava acender seu cigarro, mas o vento o impedia. Revoltou-se.  Jogou-o ao chão. Bateu a porta de sua BMW e foi embora. O engraxate sorriu, há tempos não tragava nada. Apenas o ar dos próprios dedos, borrados por uma mancha escura de um coração sem cor.

Misery.Misery.Misery. Ia cantarolando o músico. A voz rouca já não fazia efeito em meio à multidão. Misery.Misery.Misery. Não havia sequer uma moeda em seu chapéu. Misery.Misery.Misery.  A moça de cabelos longos e salto agulha passou e tropeçou em frente ao engraxate. A criança parou de chorar. A senhora escondeu o seio à mostra. O semáforo se fechou. E o músico parou no MI maior, de MIsery.

Por um minuto aquele teatro real se congelou. Todos os atores ficaram intactos.  E ninguém mais sabia quem era espectador e quem era intérprete. Viraram um só coro... mudo.

Misery.Misery.Misery. E no instante em que tudo parou, surgiu do asfalto uma rosa. Exalava um cheiro. Cheiro de “algoz”. O menino jogou o cigarro de novo no chão. E aquela finda fumaça se juntou às pétalas da rosa. Que, agora, já começavam a se despedaçar. Cobrindo todo o asfalto de um vermelho sangue pisado. Pisado por diversos duendes, que passavam sem fim.

Os duendes surgiam e multiplicavam-se. Como se os ácaros das roupas escuras ampliassem de tamanho e se transformassem em braços, pernas e cabeça. Mas eram, de fato, duendes. Pois tinham braços, pernas e cabeça. Agora, se pensavam , aí não se sabe. Mas havia cabeça.  Sempre há de existir uma mente dentro de uma cabeça, para exalar algozes cada vez maiores. O pensamento sempre é o algoz do pensador. E os algozes de todos aqueles personagens paralisados no asfalto eram os duendes, com cabeças cada vez maiores, que cansados de se matar pelos próprios sentidos, iria suscitar nos outros a miséria de seus pensamentos.

Eles tinham estirpe e caminhavam de pés descalços por entre astuciosas camadas de ferro bruto. Permeavam-se pelos pés calçados, até chegarem até as calçadas da Rua 46. A moça do salto fino não sabia, mas havia um duende em seu sapato, que logo subiria até seus neurônios gritando.


Misery. Misery.Misery. Gritavam os duendes de dentro dos sapatos. Suavam os pés e soava a guitarra, abafando o som das solas. Dos solos da guitarra e do solo impermeável daquele asfalto.

Ninguém lhes dava atenção. Às vezes, o tamanho da coisa se torna a coisa toda e ninguém mais lhe nota. Os duendes da Rua 46 não esperavam mais serem notados.  O que realmente importa é invisível aos olhos. Mas como aquelas pessoas saberiam da importância dentro de sua invisibilidade? Somente quando o invisível toma a mente e se transforma em distúrbios cada vez mais longínquos é que se tem a dimensão de sua importância. E os duendes tomaram, assim, as mentes e os corações daquelas infelizes criaturas, que se consideravam tão felizes dentro de suas mentes sãs e corpos são(s).  ( continua...em um dia que a autora estiver de novo com duendes em sua cabeça)

7 de novembro de 2011

De matemática e língua portuguesa todo ponto tem um pouco

São tantos revertérios, que já me esqueci do tempo que, ainda, era vértice e me esforçava em ligar dois pontos incongruentes em uma mesma reta. Abandonei o ângulo reto e a prova dos sete. Pra quê tanta exatidão? Eu quero mesmo é ser ponto de interrogação (?) 

18 de outubro de 2011

(A)mo(R)-te

Entre o amor e a morte não há um precipício muito profundo. É só uma questão de silabação. Amar-te logo se transforma em " A morte", apenas trocando o A pelo O. Veja, que coisa! Os amores morrem assim, entre uma sílaba não dita ou uma palavra cortada ao meio.

16 de outubro de 2011

A lei orgânica da escada rolante


Há uma lei orgânica da escada rolante. Só se para à direita. A esquerda dá passagem. Não, não está escrito em nenhuma tábula ou constituição. É naturalmente respeitável.


Todos os dias milhares de pessoas param do lado direito. Malu para porque gosta de sentir aqueles fiapos embutidos na escada. Isto lhe dá prazer. Manuel para porque gosta de olhar pra baixo e se sentir, pelo menos uma vez no dia, superior ao seu chefe – que sempre acaba encontrando na última estação. Maria para por cansaço. Ser diarista já lhe faz exercitar em muito suas velhas pernas. Lucia nunca parou. Augusto não usa escada rolante.

Lucia e Augusto não sabem, mas todos os dias tomam o mesmo trem, e para o mesmo sentido. A vida é breve e a cada dia ela se abrevia mais. Lucia não olha em sua volta, é movida a teorias behavioristas. Augusto é o pragmático. Fazer tudo igual, para ele, é questão de honra, de sobrevivência. Não existe vida se não houver lógica. Não existe sonho. Sonhar denota tempo e tempo é o que falta.

Manhã de setembro. Correria na estação. A escada comum lotada. Estranho. Quem usa escada comum? O mundo, para Augusto, parecia ter mudado de posição. Em sua mente, as pessoas não pensavam em termos práticos o bem que há em subir uma escada andando. Para ele, as pessoas simplesmente não pensavam. Mas a verdade é que Augusto que com estas idéias todas deixou de pensar. E, não percebeu que a escada rolante havia se desligado. Olhar apenas para o degrau a frente causa certos distúrbios em quem não observa a escada ao lado.

Enquanto isso, Lucia teve que, pela primeira vez em um ano, subir a escada comum. O cansaço premeditado suava em sua testa. As pernas já doíam e a repulsa que tinha pelos corpos ao lado a fazia repulsar seu próprio corpo. Que, pouco a pouco teve que ir escorregando as mãos pelo corrimão até conseguir mudar o pé de degrau. Parecia mais uma alavanca movediça que uma humanóide tentando ser humana.

Augusto subia a escada, quando de repente esbarrou no braço de alavanca de Lúcia. Por um instante os dois se olharam. Por um instante, Augusto deixou de pensar nas possíveis conseqüências que aquele olhar poderia, futuramente, enxergar. Por uma fração de segundos, Lucia não foi movida a nenhum impulso, nem mesmo os seus próprios. Apenas foram Augusto e Lucia, antes de terem se tornado qualquer coisa de certo ou errado.

Porém, não é da noite pro dia que abandonamos a bagagem que trouxemos de casa. Deixar que a bagagem do outro se junte à minha é quase que ter que dividir o espaço do quarto com o irmão mais novo. E ter o irmão mais novo no quarto é quase que dividir sua existência com ele. Lúcia e Augusto não sabem. Mas, mais uma vez, não estavam prontos para dividir a existência de um com o outro. E aquele momento efêmero, de olhares atravessando sons de metal correndo, foi substituído por pernas com pressa de chegar a um lugar que, possivelmente, não os levará a lugar algum. 

14 de outubro de 2011

Se minto, existo

A noite nos surpreende. Seja nos sonhos ou na insônia. Aliás, chega uma hora que a insanidade de se manter vivo se mistura tanto à insônia  que tudo parece um punhado de sonhos lúcidos. E esta mesma insanidade de se manter vivo é o desejo de querer, um dia, voltar a ter a mente vazia que tem uma criança ao brincar.

Depois que nos alongamos, encurtamos o tempo no espaço e vagamos por pensamentos sem fim.  E a mente? Ah, esta nos mente a toda hora. Principalmente, quando observamos o nosso próprio ato de “mentir”.

A palavra “ mentir”, aqui, tem não só o efeito da mentira, mas sim da própria mente exposta ao ato de pensar. Tenho pra mim que, se existe o verbo pensar, que vem de pensamento, em minha mente há de haver o verbo “ mentir”, advindo de mente.

Então, o ato de usar a mente é “ mentir”. A toda hora nós mentimos. Mentimos estar feliz. Bravo. Corajoso. Fraco. Mas o próprio fato de mentirmos, já demonstra quão verdadeiro somos nós e o que chamamos de existência.
Se minto, existo. 

E o vento levou pesado


Você pode sentir pra onde é que o vento está nos levando?
E pra onde é que a gente leva o vento?
Somos nós que o levamos ou ele que nos leva?
Leve.
Pesado. Sufocando, se está muito alto.
E é tudo vento.
Como uma mesma coisa pode, ao mesmo tempo, fazer tão bem e tão mal?
Na mesma proporção, inclusive.
Se está no alto, sufoca.
Se cai. Machuca.
Quando é que vamos aprender a controlar o vento com o nosso próprio corpo?
Se deixar levar é se deixar cair?
Prender um vôo é criar mais fôlego pra voar?
Vo ar. Volare
Pra onde é que o vento vai nos levar? Pra onde?
Sem saber onde vou,  apenas vôo
Eu ainda preciso de mentiras pra poder voar ...
E voar para poder continuar acreditando em supostas verdades.
"Muss es sein?" (?)

12 de outubro de 2011

Conjunções desnonexas

Cara pintada e vermelho nos olhos e vertendo gosto de sabão pelos ouvidos que já não enxergam e braços que não andam e pernas que não se apegam e, e, e, nada além de conjunções de coisas desconexas, de partes que não formam um todo e um todo que já não são todos. 

Saudade é como chuva que cai na praia em dia de férias

Chega uma hora que a chuva vai minguando tanto que, ao vermos de novo pela janela, ela já nem é mais evidente aos olhos. E dá saudade de ouvir aqueles pingos no telhado ou, então, contar histórias de terror enquanto cai a trovejada.

Mas você se lembra que por conta dela deixou de sair pra brincar na rua, no parque ou na praia. Aliás, chuva na praia é de doer. Dói no coração, na alma. Você fez tantos planos para as férias de verão e tudo foi, literalmente, por água a baixo.  

Saudade é como chuva que cai na praia em dia de férias

Daí, dentro do apartamento, você começa a enxergar novas possibilidades de fazer aqueles dias terem algum sentido. Joga dama, xadrez, tranca e irrita o irmão mais novo. Tudo isso para esquecer que seus planos não deram certo. É quando nos lembramos que a chuva já caiu na praia outras vezes em dias de férias. Foi triste e frustrante na hora, mas depois passou. É aquela coisa que nossos pais dizem “Depois da tempestade , sempre vem a bonança”.

A natureza é mãe, mesmo. Faz-nos entender, por meio de seus esquemas naturalmente naturais que tudo, de fato, é muito natural. E que de nada vale se frustrar pela chuva na praia, outras chuvas piores virão. E você, sem guarda-chuva, vai ter que improvisar a seu próprio modo uma maneira de se divertir com o sapato ensopado.

Lembro  aqui de mais um ditado batido: “ Quem está na chuva é pra se molhar”. Relaxe, pois depois seca também!  

Os agoras

Não existe " eu amei" e sim " eu amo naquele agora". 


O Amor é um sujeito ( veja, até o escrevemos com maiúscula). Já o verbo somos nós que criamos com todas as nossas limitações. Por isso o colocamos ora no passado, ora no presente, ora no futuro. Na verdade, ele não está em tempo nenhum, ele está em nós!



16 de setembro de 2011

A tautologia das lagartas que se transformam em borboletas

Tautologia. Dizer a mesma coisa em um número variado de vezes. Trazendo sonoros distúrbios da mente a boca, até que a outra pessoa vá embora e te deixe falando sozinho.  

Tá. E que diabos tem a lagarta a ver com isso? A ver eu não sei. Mas a me fazer sentir. Sim, isso eu sei. E conto aqui uma história dos tempos que se amarrava cachorro com lingüiça e que namorar alguém era, na verdade, flertar na porta da igreja.

Foi bem assim. Eu tinha lá meus sete anos de idade. E gostava muito de subir em árvores, para pegar goiaba. Fruta esta que, convenhamos, exige a paciência dos monges budistas para se comer. E quando você pensa que finalmente vai se lambuzar todo com aquela delícia vermelha, aqueles amendoins disfarçados de sementes grudam em seus dentes e, lasqueira, até perde o gosto pela fruta. Pois, é. Essa natureza ensina a gente, mesmo.

Mas o que eu queria contar vai além das aparências. Vai além dos empecilhos. Porque você pensa que o mais difícil é enfrentar os caroços e, finalmente, encher a pança com a guloseima. Mas não é que essa tal de natureza prega umas na gente que, se não fosse outra vez a paciência dos monges budistas, eu já tinha descido da árvore e chamado o gato pra dentro!

Era uma tarde gostosa. O sítio do meu Vô Zé costumava ficar repleto de fruta caída pelo chão. As galinhas iam passando, vasculhando tudo que encontravam. Enchiam o bico. E ficavam todas cheias esperando os galos, que já nessa época só queriam galantear as galinhas mais novas. Engraçado que as mais crescidinhas nem davam ligança. Elas até pareciam saber que seu peito era mais cheio, sua pena mais bonita e, claro, seu bico tinha mais comida. Eu me divertia olhando as galinhas.

Tinha um coelho azul marinho também. Porque meu irmão era muito levado à breca e resolveu pintar o bicho. Tinha um cachorro manco. Uma cobra caninana e um esquilo que, de vez em nunca, aparecia no banheiro quando eu estava tomando banho.

Naquela tarde eu só queria ficar em cima da árvore comendo goiaba. E comia com toda aquela paciência já descrita. Sim, a dos monges. E comia com as mãos, com os olhos, ouvidos e se for dizer aqui, até com os pés eu devo ter comido. Era o meu exercício preferido de matemática. Até que uma hora eu perdia as contas e começava a estudar física. Até joguei uma goiaba na cabeça do gato, que estava de baixo da árvore, mas nada aconteceu. Acho que Newton teve aquela ideia por que era uma maçã, não é mesmo? Goiaba não tem o poder do pecado.

E eu lá, agarrada no meu galho favorito. O terceiro da parte esquerda. Já tinha comido tanta goiaba que nem avistava mais as que ainda existiam. Até que, olhando um pouco para o alto, percebi que ainda havia uma frutinha sobrando. Não pensei duas vezes. Subi até o quinto galho da árvore ( Sim, eu sabia sobre todos os galhos) e fui me apoiando no caule, até finalmente tomar em minhas mãos a famigerada fruta.

Não sei. De todas, ela era a mais diferente, era mais redonda, ou oval, não sei bem explicar, mas tinha um “quê” de subversiva, descumpridora de regras. E lá lá lá, lá lá lá. Paremos de tanta tautologia, não é mesmo? O fato é que aquela era a goiaba.

Eis que eu a peguei na mão, e quando já ia começar todo o processo de levá-la até a boca, mastigar, engolir e desfrutar, vi que desta vez o processo iria ser muito, mas muito mais custoso. E dolorido. Pois nem consegui morder. Vi que pesava mais. De fato, seu interior pesava. Eu, ainda, não podia enxergar o que nela havia, mas eu podia sentir. E isso fazia daquela goiaba algo além de goiaba. Além da relação estabelecida com as outras tantas daquela árvore.

O processo de descobrimento
Olhei. Olhei de novo. Olhei mais uma vez. Chacoalhei. Bati com ela no caule e nada. Desisti. “Mas eu odeio desistir no meio do caminho”, pensei. Fiz todo o processo novamente, olhei. Olhei. Olhei mais uma vez. Choaqualhei e bati no caule. E isso perdurou pelo menos uma hora. Naquela época eu nem sequer imaginava o que era paciência, muito menos monge e nunca tinha ouvido a palavra budismo. Mas. Foi exatamente a paciência dos monges budistas que me fizeram permanecer ali, concentrada em meu objetivo. Aquela goiaba.

Nessa altura, eu já não sabia se queria ter, de fato, a goiaba. Agora, queria mais é conhecê-la, saber o que a tornava tão diferente das demais. O que me fazia gastar toda aquela tarde. Eu só queria entender. Mesmo odiando a palavra entender, que sempre soava da boca de minha mãe quando estava brava comigo.

Depois de repetir o processo muitas vezes, a goiaba enfim se rompeu. Rompeu e se espalhou inteira em mim, fazendo que o susto me derrubasse naquela terra molhada de chuva. Cai com ela na mão. Ainda bem. Pois seria muito frustrante, depois de tudo aquilo, não saber sobre sua verdadeira realidade.

De fato, não era mesmo apenas uma goiaba. E seu interior não era vazio como o das outras tantas que já estavam em minha barriga. Seu interior tinha vida. E essa vida tinha nome. Seu nome era lagarta. Uma lagarta perdida, que sonhava em ser bicho de goiaba, pois lhe diziam que bicho de goiaba é goiaba também. E eu, monge já, fiz com que ela saísse daquele sonho e descobrisse sua verdadeira essência.

Agora, ela já não era mais goiaba. Nem mesmo bicho de goiaba. Era uma lagarta que, dali a pouco, alcançou vôos intermináveis, sem ordem de chegada ou de partida.  Voava solta, leve, azul, amarela e um pouco verde. Ela precisava apenas  que alguém tivesse a paciência dos monges budistas para que ela se tornasse enfim borboleta.

Leitores de nossas próprias vidas

A cada dia nos vemos como sendo leitores de nossas próprias vidas. Logo no primeiro tropeço do autor já pensamos em desistir de continuar a leitura. Sem pensar que um bom leitor é aquele que consegue reparar que o melhor do livro não está no começo. Mas no decorrer das sílabas que, pouco a pouco, vão se montando e se remontando em sua mente.  

Um bom leitor não é aquele que julga as vírgulas mal postas pelo meio do caminho. Pelo contrário, ele as enxerga somente como um ponto inclinado para baixo, devido ao suposto mal de Parkinson do autor.

Esta vírgula, então, faz com que ele tenha uma leitura mais aguçada do que leu, percebendo o sentido deste ponto inapropriado, que pode tomar um sentido inesperado, mas que faça todo o sentido no próximo capítulo.

A diferença do livro para a vida, é que nós, além de leitores, somos os próprios escritores dessas páginas sem previsão de “the end”. 

João e o Pé de Cobra


Desde pequeno João era meio ranzinza. Birrento de tudo. Mas nunca chorava. Segurava as lágrimas, assim como hoje segura o dinheiro da aposentadoria. Era um desses meninos raquíticos. Miúdo. Mas quando o bicho pegava, sabia correr muito bem.
Nessa época, João tinha uns quatro anos e meio, e seus pais e irmãos moravam no sítio do Seu Joanim, em Atibaia, interior de São Paulo. Seu Joanin era filho de italianos, que chegaram a São Paulo na época da imigração. Sitiante, era um homem remediado, plantava frutas e verduras para vender para a população local.
Dona Laurentina, mãe de João, tinha uma grande estima por Seu Joanin. Que, além de patrão, era também seu compadre. Padrinho do nosso então João.
Caseiros do sítio, Dona Laurentina e Seu Sebastião trabalhavam noite e dia para sustentar os filhos. E, para um dia, conseguirem ter sua própria casa. O sítio era grande, com muitas variedades de plantações – batata-doce, arroz, feijão, milho – entre tantos outros. O trabalho era árduo, mas a família seguia feliz. Afinal, viviam em harmonia com a natureza.
Tão em harmonia, que um dia João quis trazer um novo membro para a família. Mesmo rabugento, sempre teve um bom coração. Até para com os animais.
João no país das maravilhas
Certa vez, enquanto João estava brincando na terra, com todas as suas formigas e insetos de toda natureza, ele viu passar correndo por seus olhos uma cobra. Uma cobra de paletó verde e um relógio na mão. Continuou brincando, quando de repente se questionou. “Mas cobras não usam paletó. Muito menos verde”.
João saiu correndo atrás da cobra, quando a viu entrando em um buraco (e não em uma toca, como na história de Alice). João se apressou, para alcançar aquela curiosa criatura. Chegou a dar uma volta inteira pela casa, formando uma circunferência de 380º. Isso tudo para saber o destino do animal. Eis, então, que a cobra entrou em um dos buracos de baixo de sua casa. Naquela época, todas as casas de concreto não eram construídas direto no chão. Havia uma espécie de sub-andar, onde se instalavam seus alicerces. Entre eles havia muitos vãos. E em um destes, lá ficou a dona cobra de paletó verde.
O buraco era pequeno e João, apesar de miúdo, não conseguiu nele entrar. Foi quando teve uma grande idéia grande. Iria, a partir daquele dia, alimentar sua mais nova amiga e companheira. A cobra se tornou, desde então, a irmã mais nova de João. E era seu dever cuidar dela, até que ela crescesse e virasse adulta e tivesse também uma família, com filhos e netos, assim como haveria de ser um dia a família de João.
A partir disto, João criou uma estratégia para alimentá-la. Todo dia, depois do almoço, deixava um restinho de comida no prato. “Onde já se viu! Tanta gente passando fome aí e esse menino desperdiçando”. Franzia a testa o pai de João, que era um homem muito bravo. Enquanto sua mãe comentava,  “Ara, Bastião! Antes ele comer um pouco do que não comer nada”. João permanecia calado. Afinal, ninguém poderia desconfiar que aquele pouco de comida  tinha um objetivo predestinado.
No primeiro dia, o menino levou apenas umas duas colheres de arroz. No segundo, levou arroz e feijão. E, depois de duas semanas, quando viu a evolução de sua cria, começou a levar também batata, cenoura, carne. Quanto mais a cobra ia crescendo, mais João se empenhava em deixar no prato mais um tanto de comida. Sua fome até passava, com a ansiedade de ir alimentar o bicho.
Dois meses se passaram. E a mãe de João começou a ficar preocupada. O menino já era magro. Deixando comida no prato daquele jeito, ia ficar mais magro ainda. Até fez uma simpatia para o menino Jesus, para que seu filho comesse mais. Senão, daqui a pouco, iria morrer de anemia nos olhos. (No interior, as pessoas medem o grau de anemia de alguém pelo canto inferior dos olhos. Quanto mais vermelho estiver, menos anemia tem). O canto inferior dos olhos de João nem cor tinham, mais.
Foi quando Dona Laurentina resolveu perguntar a ele por que deixava todos os dias, um resto de comida no prato. Assustado e com medo de apanhar, João não respondeu. A senhora insistiu e ameaçou deixá-lo de castigo caso não contasse. João hesitou. O que ele faria? O que seria da vida da cobra de paletó verde? E todos os planos de vida que ele tinha pensado para ela?
Devoto de São João, seu santo protetor, o garoto pediu ao milagreiro que cuidasse da cobra, para que ela não morresse, mesmo que sua a mãe a descobrisse. E, aproveitando que este era um santo casamenteiro, João pediu também que ele ajeitasse um casamento pra dona cobrinha, para que ele pudesse mesmo se casar, ter filhos, netos e bisnetos.
Já com a vara na mão para nele bater, João não agüentou a pressão de sua mãe e contou a ela o que lhe motivava a deixar um tanto de comida no prato.
“Eu tenho uma amiga. Uma amiga cobra. E tive dó dela, coitada! Ia deixar ela passando fome?”, explicou-se João.
“Com uma amiga dessa você não precisa nem de inimiga!”, esbravejou dona Laurentina. “Nunca mais vai deixar comida no prato para cobra alguma”.
Dona laurentina foi lá averiguar. E, de fato, a tal cobra existia. Não tinha paletó verde, como imaginava João. Mas era uma cobra caninana, que tem por característica a cor esverdeada. João, confiante no santo de seu nome, não mais foi levar comida à cobra, que já havia alcançado um metro de cumprimento.
Até hoje, com 59 anos, ele nunca mais deixou comida no prato!

13 de setembro de 2011

A tautologia das lagartas

A tautologia das lagartas gigantes às vezes me cansa os ouvidos, às vezes me deixa perplexa e noutras fico me sentindo lagarta. Largada. Erguida. Assovio alto para as cobras que, com certeza, estão à espreita. Elas vêm de forma rasteira, mas no meio do sonho eu sempre as mato com a ponta dos dedos. E, daí, como numa confusão de sentidos eu descubro que ainda estou dormindo.  Continuo de olhos fechados. Finjo para meu inconsciente que estou dormindo, para ver o que ele pode fazer. Eis que percebo que meu inconsciente sou eu também, tentando mais uma vez me enganar nas tautologias das lagartas. 

Já conversaste alguma vez com uma lagarta? Eis que o enrolar de vossos corpos podem nos trazer imensos ensinamentos. Devagarinho, a lagarta se fecha todo consigo mesma para então conseguir caminhar. Depende dela, apenas dela este ato dolorido, mas que no final traz um alívio singelo. Singelo aos nossos olhos. Eis um alívio grandioso o fato de se embrulhar dentro de si e sozinho conseguir se encontrar, achar e caminhar. 

Ando aprendendo muito com a tautologia das lagartas! 

11 de julho de 2011

Os dedos são as cordas mais duradouras do violão

Sempre me agradou aquele arranhado singelo do violão no intervalo de uma nota a outra. É como se aquele arranhado fosse os sons próprios dos dedos, antes mesmo deles conseguirem atingir as cordas do instrumento.

Pois os dedos também fazem música antes mesmo de se fazer som. E como se os dedos gritassem às cordas, antes mesmo de se chegarem a elas. “ Ei, calma, estou indo”. Ou, como num sinal de cansaço, as arranhassem gritando. "Você já está me machucando".

Mas, os dedos são fortes e nunca desistem de ir ao divã, que são as cordas. As quais são como um divã para os dedos. Somente elas e não mais que elas, conseguem arrancar dos dedos aquilo que  a caneta, tão mais evoluída tecnicamente falando, não consegue. 

8 de julho de 2011

A Morte é (in)sensível

A morte é, na verdade, algo muito sensível( e não insensível).  Nunca vi algo ter tanta sensibilidade , a ponto de saber  o momento exato de pegar a todos de surpresa.

6 de julho de 2011

De quando concretizo ideias de forma idílica

Quando sinto sua falta, eu idealizo minhas ideias e as concretizo de forma idílica, de maneira que apenas você consegue entender. Quando sinto sua falta, eu cerro os olhos, para de novo relembrar o que nunca deixo de esquecer.

Quando sinto sua falta, eu abro olhos, para enxergar as nuvens que se desfazem como gotas d’água pelo asfalto, as quais podem ser as mesmas que  por seus caminhos passaram. Quando penso em você, eu não penso. Eu sinto. E quando sinto sua falta, eu não sinto, eu penso. E percebo que sua falta sim não precisa ser sentida, porque você permanece dentro de mim.

Quando eu sinto sua falta, eu me aperto dentro de mim mesma, para talvez lembrar a última vez que esteve em meu corpo. Para talvez lembrar que venho desconstruído todos  os conceitos que já conhecia sobre o ato de conhecer, sentir e querer.

Quando sinto sua falta, eu externalizo todos os meus sentidos. Paladar. Tato. Olfato.Ver. Ouvir. Para talvez tentar trazer para o lado de fora os vestígios dos teus, que em vez de morrerem, multiplicam-se a cada instante.

Quando penso em você, eu percebo que nunca escrevi uma história tão intensa. E que, talvez, nunca tenha lido nenhuma que me prendesse tanto e me fizesse pensar de (tantos) diferentes ângulos. E nenhuma que me fizesse querer lê-la a cada dia mais e mais. Você é aquela história que me salta aos olhos, com personagens que invadem todos os meus neurônios e me fazem, no meio do dia, fugir de toda a realidade, para viver no mundo que eu sempre quis.

Você é aquele livrinho de cabeceira, que chamamos pelo diminutivo não para diminuir, mas para termos sempre à mostra, para que ninguém possa rabiscar ou levar embora.

É como se o intervalo de tempo que separa uma nota da outra não mais existisse, e todos os tons se dividissem ao meio, unindo-se como  meus neurônios se unem,  quando refletem em meus olhos as vibrações dos meus batimentos. Tornando aquele misto de pupilas saltando aos olhos sem nada ver aos olhos querendo enxergar o que ainda não consigo entender. E, por conta disto, eu ainda fico aqui escrevendo. 

"Quando penso em você, só penso em você".

1 de julho de 2011

Mim

É como escrever uma página a cada dia, sem saber se amanhã este livro terá continuação. Por isso, às vezes, é preciso resumir, resumir-se, se resumir. Mas, pode também se inventar . Em uma folha de papel ou de árvore. Resumir-me. Inventar-me e ficar, finalmente, perto de mim. Bem dentro. Mesmo se for bem de levinho. Sentir-me, ainda, como aquela velha folha sobre o rio. Só que agora atravessando também mares e marés. Sobre o oceano e por todo ar que por minha cabeça passa. E sonhar voos planos, sem ordens de pousada. Pousar em mim já basta (será?)

Sobre coisas sem sentido

Nada que volta permanece como estava quando se foi. Vai pequeno e nasce grande. Mesmo se, no peito, ainda não caiba tanta " grandeza". Mesmo se o coração  desconheça toda forma de grandiosidade e de ser grande. Pois quer, ainda, ser pequeno. Porque no SER pequeno é que está o querer ser grande. E, ao se tornar finalmente grande, parece que perde toda a arte de viver... que é aquela vontade de  crescer!

Corpo em retalhos

Cubri-me mais uma vez com os retalhos de uma coberta velha. O frio passou e o tremor  se despedaçou pelo chão. A dor permaneceu, como a mais lânguida sensação que se pode ter.Senti aquilo como se sentisse a própria alma. Aliás, a alma verte em dor quando o corpo fala. Parece mesmo que é o espírito gritando, para sair e tomar outros corpos. Mas espíritos não se adentram em corpos fechados. Apenas nos escancarados a todo tipo  de sofrimento, inclusive o próprio sentir.

Um tiro na alma

Se desejar, pode tirar minha alma. Mas, por favor, não retire meus dedos, pois deles sempre resurge um pouco de alma para escrever qualquer coisa , a qualquer modo!

21 de junho de 2011

A arte de es- CRÊ- Ver

Escrever é ter medo. Mas, ao mesmo tempo, é poder enfrentá-lo por meio de sons expelidos pelas mãos, os quais estavam presos na fala ou, pior, na alma.
Escrever é sim ter medo. Mas poder gritá-lo sem emitir som e  interferir no escutar de outrém, sem mesmo precisar lhe falar.
Escrever é ler ao contrário.
Escrever é cavar buracos para se enfiar, deixando, ainda, os pés a mostra.
Escrever é es- cre-ver. ver o crer e escorregar nos tobogãs sem fim.
Escrever é beijar o  mocinho no final de um filme que você nunca viu.
Escrever é sentir os sentidos do corpo e os pensamentos dos neurônios todos pelas vertebras dos dedos.
Escrever é isso. Escrever é aquilo. Mas a escrita nunca É. Ela está, e está em cada um de forma mais diferente possível!

7 de junho de 2011

A saga da barata do teclado

Desde criança eu tenho medo de barata. Ô, bicho cabuloso. Parece mais um monstro em miniatura, que um inseto. Pois, é. Diversas vezes minha mãe quase morreu de susto por conta da minha baratofobia. Naquele dia foi o Antônio, funcionário público há mais de 20 anos, que nunca viu um estagiário gritar tanto pelo corredor de um gabinete, como eu gritei.

Estava eu em minha sala, 18º andar, onde permanecia solitária pela manhã,com uma montanha enorme de jornal para ler. Assessoria de imprensa, né? Sabe como é. Digitava mais uma matéria, que subiria dali uma hora. Muita tensão. Lembro que era uma tarde de junho, e o som dos ventos uivantes era tão gritante, que o forro do prédio até se levantava.

Quando de repente, não mais que de repente sinto uma presença a mais naquela sala vazia e gelada. Um minuto de silêncio. “Teclas de computador ainda não são Tek Pix, que corta carne e saem pulando”, pensei. “E, muito menos, têm fiozinhos decorativos”...


“Ahhhhhh, uma barata”

Sai gritando pelo corredor do gabinete de um dos órgãos estaduais mais importantes da cidade. “Antônio, pelo o amor da Santíssima Trindade, tira a barata do meu teclado”. “Barata no teclado? Tá louca? Cria vergonha nessa cara menina, você completou vinte anos e tem medo de uma baratinha?


Mas, como eu disse, baratas não são bichinhos inofensivos. São monstros gigantescos, que por conta das eras mezezóicas* foram diminuindo e diminuindo, até chagarem a este estágio de nojo que se apresentam. (Que me desculpem as organizações defensoras dos animais, mas viva a extinção das baratas no mundo!)


Voltando. O Antônio foi, então, até a minha sala. Pegou seu super álcool em gel e se pôs a passar no teclado. Logo, a dona baratinha saiu por um dos buracos de uma das teclas que ele havia arrancado. Marota, estava toda feliz a saltitante, pensando que desfrutaria do restante da minha paciência.
Então, ele pegou o guardanapo e , PAF!, esmagou a minha inimiga número um. Porém, junto com a dona barata foi também a matéria que estava escrevendo, pois sem querer o Antônio apagou tudo, quando tirou as teclas do computador.

Com isso, aprendi duas lições:

“Nunca deixe de salvar um texto no Word, por mais que ele só tenha um parágrafo”;

“Nunca coma bolacha em cima do teclado. Você nunca sabe o que pode estar por de baixo dele”.

31 de maio de 2011

O fim da profissão de cobrador

São sete horas da manhã. Abro o jornal. Leio o caderno principal. Logo após, tomo em mãos o caderno da editoria de cidades e lá está a triste notícia: “Acordo de sindicatos prevê fim de cobradores”. Eu disse triste notícia? Sim, isso mesmo. Quem poderá contar as mais curiosas histórias para essa multidão que, a todos os dias, atravessa o trânsito da cidade de São Paulo?

Vejam bem, o motorista não tem tempo e nem pode perder seu foco, para contar “causos” para cada passageiro que sobe aqueles três degraus dianteiros. Imagina só como seria, se todos os motoristas da cidade passassem a fazer isso. Quão grande seria o número de mortes em trânsito registradas pela CET! Inúmeras, não? Pois, é. Tá aí a importância do cobrador, esse profissional que por longos anos aturou ver minhas diversas caras e as de milhares de outras pessoas.

Lembro, em especial, de um cobrador muito simpático da Linha Lapa- Perus. Ele era branco. Daqueles brancos rosados, que parecem um leitão. Mesmo estando sentado, notava-se que era bem nutrido. Sorriso largo e olhos azuis. Sujeitão boa praça, eu diria.

Assim que um novo passageiro subia, mesmo com aquela cara de poucos amigos, ele lhe retribua com um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Sim, ele fazia todos os horários da linha. Sujeito muito trabalhador.

Mas, o mais engraçado era a forma como ela gostava que o chamassem. “Nada de cobrador, por favor. Eu sou, aqui, o responsável pela setor financeiro. Portanto, me chamem de “administrador financeiro”. E, assim, todos os passageiros que o conheciam faziam questão de chamá-lo dessa maneira. Afinal, não deixava de ser verdade.


“- Três passagens, administrador financeiro!”

Um dia, ele começou a conversar com um menino. E, pelas conversas todas revelou que seu maior sonho era ser bailarino. Sim, bailarino. Porém, seu pai não autorizou, por conta desse preconceito todo que há, ainda hoje, em meninos serem dançarinos.

Enquanto falava, ia cobrando a passagem de quem chegava. Cumpria, assim, não só um papel profissional, mas também social, provando que ser cobrador de ônibus, lotação e todos os derivados, era um exercício diário não só de cidadania, mas de sensibilidade. De saber tirar um sorriso de quem não tem mais ânimo de acordar pela manhã, pois chegou de madrugada.

Um cobrador feliz devia ser beatificado pelo papa, após sua morte. Aliás, o papa não deve nem pegar ônibus para saber os milagres que estes santos homens podem gerar na vida de alguém que passa duas horas sentado em um banco duro, com vista para uma cidade cinzenta (quando há vista, né?).

Afinal, ter um sorriso no rosto para centenas de pessoas que rodam a roleta, não é tarefa fácil. Só um “responsável pelas finanças” de um ônibus conseguia tal artimanha. Pelo menos eu tive a sorte de encontrar um destes pelas minhas estradas. Coitada da nova geração, que terá que sobreviver à monotonia de um ônibus sem cobrador e com um motorista proibido de falar. O negócio é tomar trem, mesmo. Você nunca vê a cara do maquinista e a única voz que soa é a gravação de uma voz robótica digitalizada.

25 de maio de 2011

Hipóteses II - A volta de Apolo e Dioníso

Mais uma vez me deparo com duelos entre Dinísos e Apolos. Eles deixaram de todo o mundo dos mitos, para me acompanhar em meio a esta multidão singular.

Pularam das páginas de seda, mostrando-me que não importa mais o tempo que o tempo percorre até chegar a mim. Importa apenas este tempo. Eu debruçada na janela e você e me olhar. Olhares quase irreais, se não fosse essa constância de sons que de nossa boca soa.

Eu fico aqui, pensando no pensamento que pode, agora, estar invadindo seus sentidos. Trilho em meus neurônios os caminhos que por você passa, ou aqueles que passam por você. Concluo que também sou um deles, com muitas vias. E você tem descoberto, a cada dia, todas elas.

(Eu sempre devaneei sobre você, em meus sonhos de olhos abertos. Agora, posso fechar os olhos e te ter de forma concreta.)

Pa.la.vra. que.bra.da.

Quando escutamos que pa.la.vras. não dizem e nem valem de nada, devemos parar para pensar nas sílabas. Quantas vezes sílabas inteiras são quebradas ao meio, deixando incompleta aquela que era a maior prova do sentir que você imaginava sentir? Quantas vezes a pa.la.vra que passou por seus dedos passou antes por seu pensamento, atravessou céus e se instalou em diversas bocas?

Inúmeras vezes você dividiu suas pa.la.vras. com outras que sequer formaram uma frase. Enquanto, agora, consegue até pensar em futuras páginas de um livro ainda sem capa ou prefácio, porém com dedicatória já definida.

A palavra sente junto com o “sen-ti-dor”, que sente a dor que há em uma pa-la-vra que além de dita, deveria ser olhada, sentida e comida com todo o tempero que há nessas sílabas recém-cuspidas.

20 de maio de 2011

Migalhas ao vento

Voe, mesmo que não haja  mais migalhas para se saber a volta do caminho. Você sabe que não precisa mais de migalhas, apenas de asas. Voe!

O Pra Sempre do Agora

Escrevi. Reli. Não gostei e joguei fora. Qual é o verbo que me leva até você? Qual é o sentido que pode, de repente, me mostrar o sentido de tudo isso? Não sei. Chego a pensar que verbos talvez não sejam tão sentimentais quanto os adjetivos. E que os adjetivos não estejam no AGORA quanto os advérbios. E que os advérbios não tenham o toque especial de uma vírgula. E que a vírgula não seja tão livre quanto as reticências... as quais retêm para si todo o sentido de quem sente apenas o “pra sempre do agora” (...)

29 de abril de 2011

Contos de fada de calçada

Enquanto as pessoas assistem ao casamento "real", a realidade passa despercebida pelos mesmos olhos que se deslumbram. A "realeza", assim como a "realidade" deste casamento são irreais para milhares de outros “príncipes” e “ princesas”, que dormem nas ruas por onde pomposas carruagens perpassam.

Nos fizeram correr os olhos em coisas ditas reais, quando do lado de cá a carruagem serve para recolher latinhas amassadas em beiras de calçadas. Fadas madrinhas apenas usam varinhas de apontamento. Aponta o bem e o mal, certo e errado, beleza e feiura. Mas não oferecem uma mão, apenas varinhas.

Formigas famintas destroem o resto de sonho destas mentes vazias de fome. Nos fizeram acreditar em contos de fada, com direito a sapo que vira príncipe e lindas donzelas magras, de cabelos sedosos e sem espinhas. Enquanto a “princesa”, acorda de manhã, lava, passa, escova os dentes, prende o cabelo, cuida do bebê, é encoxada pelo engraçadinho no trem, trabalha mais de 8 horas, come na rua, pega trânsito e dorme umas quatro horinhas. Mas não deixa de ser princesa.

Nos fizeram acreditar em bruxas que morrem no “ The End” e casais que “ foram felizes para sempre”, enquanto o nosso fim de mês chega e os juros dos bancos viram bruxas que não têm mais começo, meio ou fim. E os casais se auto-flagelam, esquecendo-se do amor que um dia puderam sentir, antes do conforto dos móveis conseguidos via empréstimo.

O que é o real, dentro de mentes que sonham apenas com a concretude dos sonhos alheios? Até quando nossos sonhos serão apenas projeções de enormes telas que brilham no escuro? Nossos sonhos ultrapassam a realidade dessa realeza do imaginário que querem nos impor. Nossos sonhos são nossos braços e pernas e estes sim são concretos. Nossos sonhos somos nós, se acreditarmos nos nossos sonhos e não mais no deles, financiados por nós.

27 de abril de 2011

Mexerica, Tangerina ou Bergamota

O que mais gosto na mexirica é a capacidade  de ela  ser tantas  ao mesmo tempo e, ainda assim, ser uma só. Na verdade, ela é uma só.A forma como a nomeamos é que muda pelos diferentes cantos dos quintais. Percebe-se aí como nomeamos a essência da coisa, quando na verdade a coisa é a coisa e é gostosa sendo Mexerica, Tangerina ou Bergamota.

24 de abril de 2011

Eu encontrei minha Lua

Quantas vezes já falei de Lua, Estrelas, Sóis e corpos celestes que nunca encontrei. Andei vagando por entre buracos negros, pensando que qualquer luz poderia ser um novo planeta. Grandes e pequenas ursas me assustavam, enquanto eu caminhava correndo, sem notar as nuances de cada corpo que por mim se estendia.

Deixei até de enxergar estrelas dormindo sobre a areia, para me apegar a ondas passageiras, que nunca voltavam.  Confundi maré alta com céu chuvoso. Quando, na verdade, não havia maré alguma, mas somente vestígios de um mar em plena seca.

Cerquei meu olhar de mil e umas direções. Desenhei todos os rios numa única nuvem. Pintei até o sete, com aquele antigo giz lunar. Nada adiantou, a não ser a dor de novamente ter me perdido em ventos que apenas me arrastavam, mas nunca me elevavam.

Selenitas buscam muito mais que Luas. Procuram verdadeiros lares onde possam, de fato, mudar suas hipóteses. E, quando assim encontram, se firmam junto com elas, fazendo com que luas e selenitas sejam apenas um único corpo celeste, brilhando em uma mesma direção. 

21 de abril de 2011

O diabo que te carregue

Quando nasci, meu pai não tinha carro nem caranga. Meu avô, então, só tinha um cavalo manco. O grande dia havia chego. E, agora? Quem poderia me buscar no hospital? O Diabo, oras!

Seu Diabo até hoje me vê na rua e diz “Nossa! Como a menininha cresceu”. E foi sempre assim, desde que eu era criança miúda e meu pai gritava da sala, dizendo que o Diabo estava lá. Sempre saia correndo daquele homem com nome de Demo. Achava que não tinha idade para ir para o inferno. “Criança não é anjo?” Por que eu, logo eu, um anjo recém nascido, tinha que ter sido buscado pelo Diabo?

Naquela época, Deus era um cara barbudo e o Diabo estava na minha sala.  Sinal da Cruz, três aves - maria  e dez padre-nossos, esse era o ritual do encontro com o tal do homem. Quando ia embora, meu medo passava e eu agradecia às barbas do senhor por ter me guardado.

Ontem, eu fui ao cemitério de onde moro. O Diabo estava lá em carne e osso e voltou a dizer “Nossa! Como a menininha cresceu”. Pela primeira vez, eu não tive medo. Percebi que ele era só o Seu Agemiro e havia feito um grande favor aos meus pais. Já o outro cara barbudo, não sei mais por onde anda, talvez tenha raspado a barba! 

13 de abril de 2011

A dúvida é a certeza da ilusão?

A dúvida é a certeza da ilusão. Iludir-se não quer dizer necessariamente sofrer. Mas se iludir, apenas. O platonismo é uma parte desse sentimento inacabado. Projeções soltas pelo ar fundindo-se com castelos de areia, que parecem que a todo tempo irão desabar.

Paro meus sentidos todos a ouvir os ponteiros do relógio, e nessa busca eu acabo percebendo o compasso do meu próprio tempo. E, assim, tempo e dúvida se contrapõem, como as células do corpo nascem e morrem a todo tempo.

O meu tempo não é necessariamente o tempo do outro. Não podemos exigir de ninguém que acompanhe nosso compasso. Minha voz aguda talvez não possa acompanhar a sua tenor. Mas, assim como a música supõe, podemos nos arranjar e re-arranjar, deixando nosso campo minado de harmonia mais uma vez.

Take Care

Care em inglês significa cuidado, importar-se com. Creio assim, que a palavra carência deve ser como um misto entre ciência e cuidado. A Ciência de Cuidar do Outro. Ou, talvez, buscar o cuidado de si próprio no outro. Eu, sinceramente não conheço a origem da palavra carência. Mas, gostei desse que pela minha carência descobri. To precisando de um cuidado alheio, mesmo.

7 de abril de 2011

Desbravadores de formigas em calçada

Selenitas, sonhadores, especuladores do desconhecido, loucos, desbravadores de formigas em calçada, uni-vos, já!

Unam seus sonhos, idealizações e todas aquelas pequenas manias, como dar pausa a uma conversa para observar a Lua. Ou, senão, andar a passos lentos na rua, enquanto todos se esbarram e derrubam suas próprias ideologias. Não as derrube. Segure-as fortemente, como uma criança segura sua bola para brincar. Tenha contigo o questionar da criança do passado e a sabedoria do velho do futuro.

Olhe. Olhe todos os olhares que venham a atravessar o seu olhar. Agarre-os como se agarra a namoradinha ou namoradinho no muro da escola. Pode ser um ato efêmero, mas um olhar é como dar amendoim a um elefante, inesquecível.

Bata na cabeça três vezes, caso seus pensamentos estejam te impedindo de pensar. Não deixe que idéias soltas invadam seu subconsciente, tão rico em proteínas e coisas mais que eu não sei dizer. Não se ocupe em pensar o futuro não concebido e conceba sorrisos aos cachorros e pombas, que sempre estão pelo seu caminho. Mesmo aquelas no pára-brisa ou aqueles no pneu do carro.

Pare na porta do trem e comece a juntar as palavras soltas pelo ar. Incrível como as pessoas não se apreciam dessa imensidão de verbos que a todo dia são jorrados pelas multidões metroviárias, trenziárias, transitarias. Não saberia classificar a multidão que corre, a toda hora, pela malha ferroviária da minha cidade (sempre achei bonito falar malha ferroviária). Não saberia, pois uma multidão é formada por seres muito singulares. Impossível, em uma palavra, classificar todos aqueles rostos, pernas e braços. Precisaria de um dicionário urbano para fazer isso!

Ah, falando em dicionário e palavras inexistentes :invente. Sempre é hora de inventar. Inventar um bolo verde com calda laranja. Ou um canudinho gigante, para roubar o gosto do suco de alguém. Ah, sempre quis saber o gosto que tem a comida dos outros, mesmo que fosse da mesma panela. Mas, o gosto nunca é o mesmo, pois o gosto se dá pelas sensações de cada um, e isso é muito pessoal, assim como o modo que você gosta de alguém.

Eu gosto. Gosto muito de gostar do gosto que tem gostar do que eu gosto. E não me incomodo nenhum pouco em ser prolixa ao demonstrar quão grande é meu gostar. Quero mesmo é que demore, que eu possa sentir quanto é bom “estar sendo” no mundo. Porque a gente sempre está sendo e nunca é, de fato. O “é” gera limitação. Ou é aquilo ou é isso. Por outro lado, o estar causa movimento (e até gerúndio! que me perdoem os lingüistas!). E eu quero estar, “estar sendo” infame, agora, mas séria depois. Triste e alegre. Cara pálida e cara vermelha. Bicho de goiaba ou só goiaba. Folha sobre o rio ou o rio inteiro. Estar, estar, estar, sendo star, como STAR, que brilha, morre e depois vive de novo.

30 de março de 2011

Nos tons da winding road

E eu, agora, já nem me lembro de notas desafinadas do passado. E nem fico remontando breves e semi-breves intenções, que não me levariam a lugar algum. Sinto apenas o tom de novos tons – verdes, vermelhos, azuis – são tantos. Aprendi a escutar os caminhos e a sentir novas vibrações.Olho pela fechadura o imenso céu lá de fora, propondo-me que esse é só o começo de uma longa e sinuosa estrada a ser percorrida - a nossa.

28 de março de 2011

Fumaça, o cão dançarino

Minha avó nunca deixou que nossa casa ficasse sem um cão no quintal. Morria um e ela logo  pedia  ao meu tio que improvisasse outro. E essa tradição já dura no mínimo uns 50 anos. Eu mesma vi três cachorros passando pelo meu quintal. O Boneco, que viveu 15 anos. O Rambo, que foi atropelado e andava se arrastando e morreu em 2002 e o que, pra mim, foi o mais especial, o Fumaça, morto no ano de 2008. E é justamente deste que eu, hoje, vou lhes falar.

Assim que o Rambo morreu, minha avó ficou desesperada por outro cachorro. Pois, segundo ela, eles são seguranças da casa e avisam o que está acontecendo na rua. Foi aí que meu pai lembrou de um amigo, o Gringo, que morava dentro do cemitério de Perus e que tinha acolhido um cão que havia sido atropelado. Gringo estava á procura de uma boa família para o canino. Porém, só aceitava doar o cachorro com uma condição: não mudar seu nome, que ele batizara de Fumaça.

O Fumaça chegou a minha casa no começo de fevereiro de 2002. Estava cheio de pulgas. Eu ajudei minha mãe a retirar e ele ficou limpo em um dia. Logo o levamos ao “ Cabeça de Bagre”, um pseudoveterinário do meu bairro, que aplicava as primeiras vacinas da vida de um cão. Neste dia o Fumaça ganhou uma carteira de identidade, com direito a ter até uma mãe. Eu. Mãe solteira de Fumaça Moreira André.

Nessa época, eu ainda estava na quinta série e conseguia me dividir entre os estudos e o Fumaça. Contava tudo a ele, principalmente dos meus primeiros vestígios de amor. Às vezes, eu tinha a impressão que ele era algum antepassado meu, pois me escutava com tanta devoção. Ah! Sem dizer que ele sabia distinguir as patas quando eu pedia. Se era a esquerda ele oferecia a esquerda. Ele era também um ótimo dançarino, o melhor.

Certa vez, em 2004, o danado do Fumaça resolveu pular na casa da vizinha. Pra quê! Lá havia dois grandes cães, o Duque e o Neném, que não aceitavam de jeito algum dividir o espaço que ocupavam. O Fumaça voou para aquele quintal, para as bocas e garras dos anti-sociais cachorros.  Meu pai foi tomado por um grande desespero, pulou o muro do fundo de nossa casa para salvar o nosso querido amigo. Foi uma luta, pois não se podia bater nos outros dois, pois a dona deles era uma pequena menina que, assim como eu, precisava de seus cães.

Eu logo peguei uma imagem de Santo Expedito, o Santo das causas urgentes e fiz uma promessa a ele e também a Nossa Sra. Aparecida. Se o Fumaça fosse salvo, eu levaria uma foto dele à igreja dos dois santos. Que promessa de criança. Mas, como dizem, crianças são anjos e anjos estão mais perto de Deus. Só sei que minha prece foi atendida e meu cãozinho saiu são e salvo. Com uma mordida na orelha, apenas. Ufa!

O tempo foi passando, e meu menino foi virando um homem. Ele já tinha 7 anos, e eu, que o adotei quando estava na 5ª série, agora ia prestar o vestibular. Eu estudava 10 horas por dia, fazia o ensino médio e técnico. Já não o via todos os dias, pois chegava muito cansada. Mas, sempre que chegava, às 10h da noite, dava a ele pelo menos Boa Noite. Mas  não dançávamos mais juntos e ele já nem sabia dos meus medos e segredos.

Numa manhã de Julho de 2008, o Fumaça acordou e não correu pelo quintal. Todos acharam estranho. Ele era tão enérgico. Ficou lá quietinho em seu canto. Meu pai o levou ao “ Cabeça de Bagre” e ele recomendou algumas injeções. Eu me sentia culpada por ele ter adoecido. Sentia que a minha ausência o tinha deixado naquela situação. Os esforços por sua melhora duraram em média duas semanas. Eu via aquele corpo quieto, deitado sem levantar e lembrava-me de nossas danças. De seu jeito de me olhar atencioso, como quem quer dizer algo e não sabe como. É. Ele não sabia falar, mesmo. Mas me entendia melhor que qualquer humanóide. Era o que eu sentia em seus olhos.

No dia 22 de julho o Fumaça foi para o céu dos cachorros. Eu nem acompanhei seu enterro, no fundo do meu quintal. Foi melhor assim, pois guardo comigo a imagem dele vivo e seus olhos atenciosos. Fumaça, saudades dos seus latidos ensurdecedores, enquanto eu falava ao telefone. Depois de você, eu não dancei mais com nenhum cachorro e nem vou dançar. 

18 de março de 2011

Pirâmide inversa

Ser superior não é ser mais inteligente ou mais remunerado que o outro. A superioridade se dá no encontro do "eu" com o outro, de forma que meu eu não exclua o outro e nem a mim mesmo. Ser superior é avançar a percepção que se pode ter da necessidade de escutar  e, não somente, da vontade de dizer por difíceis palavras aquilo que você imagina que representa.

Admiro a superioridade de alguns que, mesmo sendo superiores não se deixam engrandecer por isso. A maior remuneração é, a meu ver, o ato de servir o outro em sua maior plenitude e não o minimizar por conta de pirâmides erguidas pela própria estrutura oprimida.

Não há pirâmide que resista se não houver um alicerce. Vossa Excelência é só uma idéia solta pelo ar, se não houver minhas mãos para erguê-la. Essa sua verborragia ostensiva é só  uma luta de substantivos e advérbios que nada dizem e, muito menos sabem o que é o sentir (...)

14 de março de 2011

Q- será -Q seria Q - será


E será que o será deixará de ser apenas o futuro imaginado no presente ou se diluirá entre palavras e projeções de notas que, hoje, me ponho a ouvir? 
Eu ainda não sei. Nem sei dizer, escrever ou mesmo cantar. Se ouvir é o sentido que dá sentido ao que escuto, eu digo que estou sentindo. O que, neste momento, elimina bem o pensar.

12 de março de 2011

Eu-eu

Tem dias  que a gente liberta o eu-lírico que existe dentro de nosso peito e o deixa em paz, amém. E é nesse dia, meu irmão, que sem eu-lírico, sem pseudônimo ou qualquer explicação poética, você deixa todas suas idealizações filosóficas e conceitos pré-estabelecidos de lado, e finalmente  é seu Eu-eu, apenas seu EU. 

8 de março de 2011

Rotare rótulos

Quando tudo para de rodar é hora de rodar em volta de si mesmo, a fim de engrenar novos movimentos. Um dia, eu também parei de rodar. Tudo, então, ficou em seu devido lugar. Cama arrumada e louça lavada. Só eu que não. Rodar e cair. Cair e às vezes se  levantar. Eu rodo, porque rodando eu não chego em lugar algum. Apenas em mim. E é justamente aí que preciso chegar! 

Volans

Ando cavalgando por  entre algumas, tantas, mentiras. E, sinceramente, já não sei mais o que eu posso chamar de sonho ou de realidade. Eu joguei fora alguns sonhos visualizados no passado, mas ainda não o próprio passado. Eu ainda preciso de mentiras pra poder voar ... e voar para poder continuar acreditando em supostas verdades.

1 de março de 2011

Palavras são apenas palavras?

Às vezes sinto que algumas palavras respondem aos meus mais íntimos sentidos. Talvez sejam falsas respostas, assim como meus sentidos também podem me enganar. Mesmo que sejam falsas impressões, estas palavras me sugerem um caminho que eu mesma desconheço.

27 de fevereiro de 2011

Selenitas órfãos

Estrelas pintadas de hélio brilhavam forte no quadro negro da sala acima. Pude ver o brilho ardente daquela estrela morta há anos-luz, chegando vagarosamente até mim e iluminando outra vez mais meus pensamentos e, por que não, meus sentidos.

Corpos celestes apenas se entrelaçam em meio ao universo de uma noite sem fim. Noites não dormidas dão espaço aos sonhos de noites pretéritas. Selenitas órfãos se encontram e de novo realizam uma semicircunferência na Lua que, agora, cresce como um dia a pequena menina teve que crescer.

Mas, mesmo os corpos celestes, também fazem resistência aos seus mais intrínsecos anseios. Agora madura, ela cansou de esperar por aquele que parecia nunca mais te alcançar. Mal sabia ela que ele corria tumbaleante entre os pedaços de estrelas que impediam sua passagem. Porém, mal sabia ele que nas estrelas cadentes que o impediam de chegar, ela pedia, incansavelmente, que ele chegasse antes dela partir.

Pude então, seja pela Lua ou pelo Sol, enxergar de olhos cerrados. O que os olhos não veem o coração sente, sim!