18 de outubro de 2011

(A)mo(R)-te

Entre o amor e a morte não há um precipício muito profundo. É só uma questão de silabação. Amar-te logo se transforma em " A morte", apenas trocando o A pelo O. Veja, que coisa! Os amores morrem assim, entre uma sílaba não dita ou uma palavra cortada ao meio.

16 de outubro de 2011

A lei orgânica da escada rolante


Há uma lei orgânica da escada rolante. Só se para à direita. A esquerda dá passagem. Não, não está escrito em nenhuma tábula ou constituição. É naturalmente respeitável.


Todos os dias milhares de pessoas param do lado direito. Malu para porque gosta de sentir aqueles fiapos embutidos na escada. Isto lhe dá prazer. Manuel para porque gosta de olhar pra baixo e se sentir, pelo menos uma vez no dia, superior ao seu chefe – que sempre acaba encontrando na última estação. Maria para por cansaço. Ser diarista já lhe faz exercitar em muito suas velhas pernas. Lucia nunca parou. Augusto não usa escada rolante.

Lucia e Augusto não sabem, mas todos os dias tomam o mesmo trem, e para o mesmo sentido. A vida é breve e a cada dia ela se abrevia mais. Lucia não olha em sua volta, é movida a teorias behavioristas. Augusto é o pragmático. Fazer tudo igual, para ele, é questão de honra, de sobrevivência. Não existe vida se não houver lógica. Não existe sonho. Sonhar denota tempo e tempo é o que falta.

Manhã de setembro. Correria na estação. A escada comum lotada. Estranho. Quem usa escada comum? O mundo, para Augusto, parecia ter mudado de posição. Em sua mente, as pessoas não pensavam em termos práticos o bem que há em subir uma escada andando. Para ele, as pessoas simplesmente não pensavam. Mas a verdade é que Augusto que com estas idéias todas deixou de pensar. E, não percebeu que a escada rolante havia se desligado. Olhar apenas para o degrau a frente causa certos distúrbios em quem não observa a escada ao lado.

Enquanto isso, Lucia teve que, pela primeira vez em um ano, subir a escada comum. O cansaço premeditado suava em sua testa. As pernas já doíam e a repulsa que tinha pelos corpos ao lado a fazia repulsar seu próprio corpo. Que, pouco a pouco teve que ir escorregando as mãos pelo corrimão até conseguir mudar o pé de degrau. Parecia mais uma alavanca movediça que uma humanóide tentando ser humana.

Augusto subia a escada, quando de repente esbarrou no braço de alavanca de Lúcia. Por um instante os dois se olharam. Por um instante, Augusto deixou de pensar nas possíveis conseqüências que aquele olhar poderia, futuramente, enxergar. Por uma fração de segundos, Lucia não foi movida a nenhum impulso, nem mesmo os seus próprios. Apenas foram Augusto e Lucia, antes de terem se tornado qualquer coisa de certo ou errado.

Porém, não é da noite pro dia que abandonamos a bagagem que trouxemos de casa. Deixar que a bagagem do outro se junte à minha é quase que ter que dividir o espaço do quarto com o irmão mais novo. E ter o irmão mais novo no quarto é quase que dividir sua existência com ele. Lúcia e Augusto não sabem. Mas, mais uma vez, não estavam prontos para dividir a existência de um com o outro. E aquele momento efêmero, de olhares atravessando sons de metal correndo, foi substituído por pernas com pressa de chegar a um lugar que, possivelmente, não os levará a lugar algum. 

14 de outubro de 2011

Se minto, existo

A noite nos surpreende. Seja nos sonhos ou na insônia. Aliás, chega uma hora que a insanidade de se manter vivo se mistura tanto à insônia  que tudo parece um punhado de sonhos lúcidos. E esta mesma insanidade de se manter vivo é o desejo de querer, um dia, voltar a ter a mente vazia que tem uma criança ao brincar.

Depois que nos alongamos, encurtamos o tempo no espaço e vagamos por pensamentos sem fim.  E a mente? Ah, esta nos mente a toda hora. Principalmente, quando observamos o nosso próprio ato de “mentir”.

A palavra “ mentir”, aqui, tem não só o efeito da mentira, mas sim da própria mente exposta ao ato de pensar. Tenho pra mim que, se existe o verbo pensar, que vem de pensamento, em minha mente há de haver o verbo “ mentir”, advindo de mente.

Então, o ato de usar a mente é “ mentir”. A toda hora nós mentimos. Mentimos estar feliz. Bravo. Corajoso. Fraco. Mas o próprio fato de mentirmos, já demonstra quão verdadeiro somos nós e o que chamamos de existência.
Se minto, existo. 

E o vento levou pesado


Você pode sentir pra onde é que o vento está nos levando?
E pra onde é que a gente leva o vento?
Somos nós que o levamos ou ele que nos leva?
Leve.
Pesado. Sufocando, se está muito alto.
E é tudo vento.
Como uma mesma coisa pode, ao mesmo tempo, fazer tão bem e tão mal?
Na mesma proporção, inclusive.
Se está no alto, sufoca.
Se cai. Machuca.
Quando é que vamos aprender a controlar o vento com o nosso próprio corpo?
Se deixar levar é se deixar cair?
Prender um vôo é criar mais fôlego pra voar?
Vo ar. Volare
Pra onde é que o vento vai nos levar? Pra onde?
Sem saber onde vou,  apenas vôo
Eu ainda preciso de mentiras pra poder voar ...
E voar para poder continuar acreditando em supostas verdades.
"Muss es sein?" (?)

12 de outubro de 2011

Conjunções desnonexas

Cara pintada e vermelho nos olhos e vertendo gosto de sabão pelos ouvidos que já não enxergam e braços que não andam e pernas que não se apegam e, e, e, nada além de conjunções de coisas desconexas, de partes que não formam um todo e um todo que já não são todos. 

Saudade é como chuva que cai na praia em dia de férias

Chega uma hora que a chuva vai minguando tanto que, ao vermos de novo pela janela, ela já nem é mais evidente aos olhos. E dá saudade de ouvir aqueles pingos no telhado ou, então, contar histórias de terror enquanto cai a trovejada.

Mas você se lembra que por conta dela deixou de sair pra brincar na rua, no parque ou na praia. Aliás, chuva na praia é de doer. Dói no coração, na alma. Você fez tantos planos para as férias de verão e tudo foi, literalmente, por água a baixo.  

Saudade é como chuva que cai na praia em dia de férias

Daí, dentro do apartamento, você começa a enxergar novas possibilidades de fazer aqueles dias terem algum sentido. Joga dama, xadrez, tranca e irrita o irmão mais novo. Tudo isso para esquecer que seus planos não deram certo. É quando nos lembramos que a chuva já caiu na praia outras vezes em dias de férias. Foi triste e frustrante na hora, mas depois passou. É aquela coisa que nossos pais dizem “Depois da tempestade , sempre vem a bonança”.

A natureza é mãe, mesmo. Faz-nos entender, por meio de seus esquemas naturalmente naturais que tudo, de fato, é muito natural. E que de nada vale se frustrar pela chuva na praia, outras chuvas piores virão. E você, sem guarda-chuva, vai ter que improvisar a seu próprio modo uma maneira de se divertir com o sapato ensopado.

Lembro  aqui de mais um ditado batido: “ Quem está na chuva é pra se molhar”. Relaxe, pois depois seca também!  

Os agoras

Não existe " eu amei" e sim " eu amo naquele agora". 


O Amor é um sujeito ( veja, até o escrevemos com maiúscula). Já o verbo somos nós que criamos com todas as nossas limitações. Por isso o colocamos ora no passado, ora no presente, ora no futuro. Na verdade, ele não está em tempo nenhum, ele está em nós!