27 de novembro de 2011

Misery

De repente estou escrevinhando e minha mente se transpõe para outro lugar. E me dá, então, uma grande vontade de escrever, mas eu já estava escrevendo. Mas é uma vontade de escrever sobre a miséria metafórica.

“A miséria. Mi- sé- ria. MI- nha miséria singela. SÉ-ria. RIA sem fim. E, entre a seriedade e a sutileza de se sentir miséria, ela se aclamava dona de minhas angústias. Dona de mim”

Misery. Misery. Misey. Cantava o músico da esquina, enquanto ao seu lado havia uma senhora com os seios à mostra, oferecendo ao filho a última seiva que  de seu corpo jorrava.  Misery. Misery. Misery. Lacrimejava a guitarra em meus ouvidos. Ao passo que escorria o leite aguado da boca da criança e, de seus olhos, descia uma água azeda, com gosto de sal vencido. Silhuetas mortas-vivas, de olhos cegos e ombros largados  passavam ligeiramente, atravessando os braços das vias, sem olhar o semáforo fechado.   

Do outro lado, um senhor tentava acender seu cigarro, mas o vento o impedia. Revoltou-se.  Jogou-o ao chão. Bateu a porta de sua BMW e foi embora. O engraxate sorriu, há tempos não tragava nada. Apenas o ar dos próprios dedos, borrados por uma mancha escura de um coração sem cor.

Misery.Misery.Misery. Ia cantarolando o músico. A voz rouca já não fazia efeito em meio à multidão. Misery.Misery.Misery. Não havia sequer uma moeda em seu chapéu. Misery.Misery.Misery.  A moça de cabelos longos e salto agulha passou e tropeçou em frente ao engraxate. A criança parou de chorar. A senhora escondeu o seio à mostra. O semáforo se fechou. E o músico parou no MI maior, de MIsery.

Por um minuto aquele teatro real se congelou. Todos os atores ficaram intactos.  E ninguém mais sabia quem era espectador e quem era intérprete. Viraram um só coro... mudo.

Misery.Misery.Misery. E no instante em que tudo parou, surgiu do asfalto uma rosa. Exalava um cheiro. Cheiro de “algoz”. O menino jogou o cigarro de novo no chão. E aquela finda fumaça se juntou às pétalas da rosa. Que, agora, já começavam a se despedaçar. Cobrindo todo o asfalto de um vermelho sangue pisado. Pisado por diversos duendes, que passavam sem fim.

Os duendes surgiam e multiplicavam-se. Como se os ácaros das roupas escuras ampliassem de tamanho e se transformassem em braços, pernas e cabeça. Mas eram, de fato, duendes. Pois tinham braços, pernas e cabeça. Agora, se pensavam , aí não se sabe. Mas havia cabeça.  Sempre há de existir uma mente dentro de uma cabeça, para exalar algozes cada vez maiores. O pensamento sempre é o algoz do pensador. E os algozes de todos aqueles personagens paralisados no asfalto eram os duendes, com cabeças cada vez maiores, que cansados de se matar pelos próprios sentidos, iria suscitar nos outros a miséria de seus pensamentos.

Eles tinham estirpe e caminhavam de pés descalços por entre astuciosas camadas de ferro bruto. Permeavam-se pelos pés calçados, até chegarem até as calçadas da Rua 46. A moça do salto fino não sabia, mas havia um duende em seu sapato, que logo subiria até seus neurônios gritando.


Misery. Misery.Misery. Gritavam os duendes de dentro dos sapatos. Suavam os pés e soava a guitarra, abafando o som das solas. Dos solos da guitarra e do solo impermeável daquele asfalto.

Ninguém lhes dava atenção. Às vezes, o tamanho da coisa se torna a coisa toda e ninguém mais lhe nota. Os duendes da Rua 46 não esperavam mais serem notados.  O que realmente importa é invisível aos olhos. Mas como aquelas pessoas saberiam da importância dentro de sua invisibilidade? Somente quando o invisível toma a mente e se transforma em distúrbios cada vez mais longínquos é que se tem a dimensão de sua importância. E os duendes tomaram, assim, as mentes e os corações daquelas infelizes criaturas, que se consideravam tão felizes dentro de suas mentes sãs e corpos são(s).  ( continua...em um dia que a autora estiver de novo com duendes em sua cabeça)

7 de novembro de 2011

De matemática e língua portuguesa todo ponto tem um pouco

São tantos revertérios, que já me esqueci do tempo que, ainda, era vértice e me esforçava em ligar dois pontos incongruentes em uma mesma reta. Abandonei o ângulo reto e a prova dos sete. Pra quê tanta exatidão? Eu quero mesmo é ser ponto de interrogação (?)