26 de outubro de 2012

Na vida, sempre há um escolhe-dor


Era horário do almoço. A avó escolheu ir escolher feijão, enquanto a menina o arroz. Dali a pouco, a menina foi até a mesa e parou um tanto de tempo pra ver o tempo da avó passar. E não entendia bem quais eram os critérios que a senhora utilizava pra separar o feijão. Ora a senhorinha jogava o grão na panela. Ora colocava de lado.

“Esse vai. Esse não vai. Esse vai também. Esse não e esse aqui também não”. E a menininha, encabulada e cheia de perguntas, não hesitou em interromper a avó.  “Que foi, menina? Num tá vendo que tô ocupada, ora?”, reclamou a vózinha.

A menina desistiu de todas as perguntas e cresceu com aquelas dúvidas atrás da orelha, dos olhos e também dos dedos. “E, agora? Qual será o critério da escolha do feijão?”, se questionava, uma vez ou outra.  Eis que um dia foi fazer uma visita à avó, em horário de almoço. E, como há anos, a avó também colhia o feijão, com a mesma paciência e concentração.

Dessa vez, a menina  - agora, moça grande - decidiu que não perguntaria nada. Apenas observaria os gestos, os olhos e as mãos. E a avó nem percebeu sua presença ali, quietinha, e continuou na lida.
Foi aí que a moça percebeu que, em todo almoço, há um escolhido.  E o escolhido, no final, não tem escolhas, a não ser que ele passe a ser escolhe-dor, quem sempre escolhe a dor do outro, sem razão ou sem querer.  

"Filha, vem almoçar, vem?".

Já vou, vó. Tô escolhendo a minha dor. 

18 de outubro de 2012

Saudosa pieguice


Ah! Se um bocado de mim, agora, gritasse
Um pouco de passado
Amargo
Eu poderia
Lembrar de um sonho qualquer
De um momento de paz
De você ao meu lado.

E a memória desta cuca branda
Deixou lá fora
Uma brisa morna
Que arrastou
Meu peito afora
Pra perto do céu!
Meu  amor é
Só céu! 

17 de outubro de 2012

Saudade é bicho que pica sem se ver


É que saudade é um desses bichinhos que passam despercebidos pela pele, que quando a gente vê já queimou e vai arder por um bom tempo.

É dessas mariposas que teimam em rondar em minha cabeça. E gira, gira, até eu fingir que elas já não estão mais por perto. Mas basta um acender de luzes e lá estão todas elas outra vez.

É que saudade deve ser também um desses bichos que não morrem nunca, só se degeneram, feito lagartixa que perde o rabo.

Saudade deve ser aquele outro bicho que rói defunto. E vai comendo devagarinho, devagarinho, até não sobrar a gente, nem saudades. 

15 de outubro de 2012

Pousando na Cajaíba


Beiravam sete horas da manhã. Uns rostos ainda não haviam se acostumado com a claridade que vinha de fora. Enquanto outros, porém, já aguardavam ansiosos pela chegada do barco que nos levaria para o outro lado do mundo. Daquele mundarejo de Pouso da Cajaíba.


Por um instante, pensei que ouviria um “Içar velas, levantar âncoras”, enquanto aqueles barquinhos todos iam se aconchegando na areia da praia.

E aquele movimento todo me levou a uma história que eu mesma não conheço  (caso não  fossem as figuras dos livros da escola). “Tô me sentindo como os portugueses chegando ao Brasil”, ouvi alguém dizendo. Incrível como o mar pode nos unir a memórias que sequer vivenciamos, mas que basta um molhar de dedos e lá estamos nós encharcados de lembranças, medos e alguns feitos heróicos outra vez.

E eu ia me apequenando por entre aquelas entranhas de águas cristalinas. Mas, na verdade, eu me sentia mesmo uma pequena grande. Que, em vez de se diminuir perante o gigante, sentia vontade de abraçá-lo e de ir crescendo junto com ele.

O Sol, nesse dia, se escondeu por trás de umas montanhas compridas. Mas não tão compridas a ponto de  impedir umas névoas trigueiras de se aconchegarem. E essas nuvens – parecidas com carneirinhos, comodizia a sabedoria popular de uma avó– iam anunciando a vinda de novas águas.

Mas os mesmos rostos cansados não se intimidavam com um pingo ou outro do céu. E cada um, a seu modo, ia se acomodando com malas e bugigangas de toda natureza. Até que fomos recebidos por uma senhora de sorriso largo e vestido de chita – dona Pituca. E também por uma menininha tímida, de nome Priscila, que nos deu boas-vindas trazendo um esmalte para pintar unhas.

Os outros dois barcos só chegaram meia hora depois do nosso. E num deles, o som do cavaco ia ressoando alto até nossos ouvidos. Eram umas vozes que cantavam com gosto umas dores e uns amores de outros alguéns, de outros ninguéns ou deles próprios.

E se Sol não tínhamos, improvisávamos com um Fá com sétima ou um Lá bem aumentado, que nos levava pra Lá de um horizonte que, na cidade, não se pode tocar. E lá era tocado o dia inteiro.  

Não caberia aqui cada detalhe daquela praia. Cada areia graúda que peguei nas mãos, ou cada risada alta em frente àquelas batucadas cheias de harmonia.  

Se eu pudesse, agora, trilhar um caminho, eu passaria por todas as trilhas que me derrubavam e encharcavam de lama. ‘Porque se sujar faz bem’. Mas se não sujar, você passa limpo e ileso pela própria vida:

E passa despercebido por uma velha no meio da chuva gritando pelo filho perdido. Ou por um filhote de cachorro no escuro de uma trilha. Ou, então, pela teia de aranha escondida dentro de uma rocha. E passa  pelo canto sem ouvir o canto do pássaro na sua própria janela.  E passa pesado feito um passarão, enquanto pode passarinho: leve e free!  



(Crônica totalmente inspirada nos detalhes sutis, porém complexos e cheios de beleza, de Pouso da Cajaíba, em Paraty-RJ)

7 de outubro de 2012

VO(l)TAR

São 8h da manhã. Meus familiares já estão todos a postos para ir às urnas. Eles preferem acordar cedo, em vez de pegar uma grande fila no final da tarde. E, logo pela manhã, a discussão já rola solta. Os exemplos personalistas tomam conta, enquanto eu viro a vilã da história da minha casa. Meus pais nunca foram militantes de alguma causa. Só a nossa mesmo, a da sobrevivência. Que já é uma baita causa. Nunca os julguei por isso. Mas, sei lá, desde criança eu sou a chata dos questionamentos, das poesias em beira de estrada e do “Eu quero VOTAR”.

Lembro-me da segunda vez que acompanhei minha mãe em uma eleição. O ano era 2000 e o sistema de contabilização já era por meio de urnas. Pedi para entrar junto com ela na cabine. Ela deixou. E não hesitei em pedir pra apertar o botão. Depois, sai contando a todos os primos que eu tinha votado e, não sei por que, aquilo me fazia se sentir de alguma forma melhor que eles. “Sou criança e já votei”! Que ilusão!

E em outros anos eu também a acompanhei. Até que eu, em 2008, fui a campo, fui pro embate e pro debate político, e também apertei o botão verde. Sim, o verde. Acho perda de tempo sair de casa em um domingo de Sol (quase toda eleição cai num domingo de Sol) pra votar nulo ou branco. Não acredito que voto assim seja forma de protesto ou indignação. Pra mim, revolução é votar e voltar. Votar com consciência e voltar para si mesmo, refletindo sobre o seu próprio papel enquanto cidadão.

Acredito que seja difícil se perceber como parte de algo tão grande, como é a cidade de São Paulo. Às vezes, anulam nossa existência, nos apequenam, fazendo-nos sentir impotente diante de grandes decisões, como são as eleições.

Assim, espero que nessas eleições, cada eleitor seja um torcedor fanático pelo seu time. Não aceite arbitrariedades dos juízes ou desleixo dos técnicos. Que vigie seu jogador preferido e não aceite de cabeça baixa aquela falta desnecessária. Que acompanhe cada passe do elenco em campo e participe da discussão, mesmo depois da partida.

E, por fim, desejo que seu time se chame SOCIEDADE e que seu voto seja um GOL de responsabilidade, maturidade e cidadania!

E que, mais do que o apertar o botão que gerava a curiosidade da criança do passado, que o ato de votar seja UMA das formas de se fazer a transformação que queremos!

4 de outubro de 2012

Hey, Mr. Tambourine Man!


Acordei e lhe pedi apenas um favor. Nada mais que um.
Um.
Um barulho qualquer na janela. Um bater de asas. Um tom de azul. Um verbo sem carne. Um arrastar de pés. Um soco na porta. Um assovio largo. Um dedilhado. Um sugar de olhos. Um verão amarelo. Um céu de brigadeiro. Um mar no asfalto. Um amor. Um adeus. Um tititun-tá-tátá. Um devaneio. Um sei lá o quê.
Um. Um. Um.
UM? 

3 de outubro de 2012

Pó de vida


Revirei a cabeça e olhei para a direita. Não tinha mais Sol. Retornei o pescoço e me direcionei à esquerda. Não havia mais Lua. Parei. Resolvi centrar o pensamento em MI, depois em Lá. E foi em lá que eu comecei a sentir saudades, a querer de volta as tantas voltas que eu voltei.

Sentir saudades é lembrar, é colocar sua mente à disposição da memória e, assim, do passado. Espaço este que já não pode mais ser revirado. Reescrito. Porém, único que, de fato, é concreto em nossa vida. Esse pó de vida!

2 de outubro de 2012

Um bar e-mail


Bar e e-mail.
Se eu não os devoro, eles me devoram  primeiro.
Então, sugo tudo.
Sugo até a última letra, ou cevada.
Sim, sou um pouco dada, me dou por inteira.
Minhas palavras sempre são completas,
meu copo sempre está cheio
E meu corpo aberto.

Mas, agora, só o que me resta é ler
frases cortadas  e-mail.

Com beijos jogados pra escanteio.

Se me cabe, nesse texto, ser grande?
Já nem sei
desculpe,
Você se foi, mas eu continuo por inteiro!

Rimei sem verso, versei sem conteúdo.  Não tenho medo.

FutStar

Se tenho estrelas no lugar de pés, já não sei. Tenho, em mim, algumas luas na mente, apenas. E, sei lá, se são satélites, ou se são moradas. São luas.