Beiravam sete horas da manhã. Uns rostos ainda não haviam se
acostumado com a claridade que vinha de fora. Enquanto outros, porém, já
aguardavam ansiosos pela chegada do barco que nos levaria para o outro lado do mundo.
Daquele mundarejo de Pouso da Cajaíba.
Por um instante, pensei que ouviria um “Içar velas, levantar âncoras”, enquanto aqueles barquinhos todos
iam se aconchegando na areia da praia.
E aquele movimento todo me levou a uma história que eu mesma
não conheço (caso não fossem as figuras dos livros da escola). “Tô
me sentindo como os portugueses chegando ao Brasil”, ouvi alguém dizendo.
Incrível como o mar pode nos unir a memórias que sequer vivenciamos, mas que basta
um molhar de dedos e lá estamos nós encharcados de lembranças, medos e alguns
feitos heróicos outra vez.
E eu ia me apequenando por entre aquelas entranhas de águas
cristalinas. Mas, na verdade, eu me sentia mesmo uma pequena grande. Que, em
vez de se diminuir perante o gigante, sentia vontade de abraçá-lo e de ir
crescendo junto com ele.
O Sol, nesse dia, se escondeu por trás de umas montanhas
compridas. Mas não tão compridas a ponto de impedir umas névoas trigueiras
de se aconchegarem. E essas nuvens – parecidas com carneirinhos, comodizia a sabedoria popular de uma avó– iam anunciando
a vinda de novas águas.
Mas os mesmos rostos cansados não se intimidavam com um
pingo ou outro do céu. E cada um, a seu modo, ia se acomodando com malas e bugigangas
de toda natureza. Até que fomos recebidos por uma senhora de sorriso largo e
vestido de chita – dona Pituca. E também por uma menininha tímida, de nome Priscila,
que nos deu boas-vindas trazendo um esmalte para pintar unhas.
Os outros dois barcos só chegaram meia hora depois do nosso.
E num deles, o som do cavaco ia ressoando alto até nossos ouvidos. Eram umas vozes
que cantavam com gosto umas dores e uns amores de outros alguéns, de outros
ninguéns ou deles próprios.
E se Sol não tínhamos, improvisávamos com um Fá com sétima
ou um Lá bem aumentado, que nos levava pra Lá de um horizonte que, na cidade,
não se pode tocar. E lá era tocado o dia inteiro.
Não caberia aqui cada detalhe daquela praia. Cada areia
graúda que peguei nas mãos, ou cada risada alta em frente àquelas batucadas
cheias de harmonia.
Se eu pudesse, agora, trilhar um caminho, eu passaria por
todas as trilhas que me derrubavam e encharcavam de lama. ‘Porque se sujar faz
bem’. Mas se não sujar, você passa limpo e ileso pela própria vida:
E passa despercebido por uma velha no meio da chuva gritando pelo filho perdido. Ou por um filhote de cachorro no escuro de uma
trilha. Ou, então, pela teia de aranha escondida dentro de uma rocha. E passa pelo canto sem ouvir o canto do pássaro na sua
própria janela. E passa pesado feito um
passarão, enquanto pode passarinho: leve
e free!
(Crônica totalmente inspirada nos detalhes sutis, porém
complexos e cheios de beleza, de Pouso da Cajaíba, em Paraty-RJ)