6 de janeiro de 2013

Folia de Reis no sítio do vô Zé


Dia de Reis faz eu me lembrar da primeira vez que fui ao Paraná, visitar meu avô, Seu Zé. Eu tinha seis anos, ele dois violões. Contou que havia tocado no 'Dia de Reis'. E que, todos os anos, repetia a mesma façanha, desde que era moço novo.

Aproveitou e me mostrou como é que se tocava. Pegou seu violão da cor do céu e, naquele momento, enquanto seus dedos se deslizavam pelo braço do instrumento, eu senti, pela primeira vez, vontade de também fazer sair de meus dedos alguma música.

Nesse dia, ele disse que aqueles dois violões eram meus. "Herança minha pra tu, menina!". Passados seis meses de minha visita, ele veio morar aqui em São Paulo, sem a mulher, e sem os violões. Um dia, voltou pra buscar a mulher, dona Nair. Mas, mesmo depois disso, vivia dizendo que precisava voltar para sua terra.

Ninguém entendia muito bem essa vontade de voltar, já que aqui estavam todos seus filhos. Foi aí que, no dia 7 de dezembro de 1999, enquanto ele se preparava para mais uma viagem ao Paraná, ele disse à minha mãe que voltaria à sua terra prometida e pediu a ela que o perdoasse de qualquer coisa. Gente do interior sempre diz essa frase quando tá indo embora da casa do parente. E gente do interior também costuma dar muito valor pra terra que pisa e planta.

Noutro dia, já com as passagens em mãos, Seu Zé acordou meio cabisbaixo. Pediu a dona Nair que preparasse um chá. "Deve ser ansiedade pra viajá, Zé", pensou a senhora. Deitou-se um pouco, já que a viagem seria só à noite. Aí, que a viagem se adiantou tanto, que seu Zé não aguentou mais de saudades de seus violões, e naquela tarde, após o almoço, foi de vez para sua terra prometida, deixando mulher, filhos e netos.

Não sei explicar o porquê, mas eu não consegui ir ao seu velório. Pra mim, vô Zé tá lá em seu sítio, trocando os dedos em um violão azul, me esperando chegar só para entregar sua herança.

4 de janeiro de 2013

Um novo calendário



Tem horas que as palavras ficam coçando tanto nas pontas dos dedos, que parece que vão gerar chagas. E, quanto mais você coça, mais quer coçar, coçar e coçar. Até que uma hora surgem umas feridas marcando tanto a pele, que nunca mais saem, assim como há de acontecer com as próprias palavras.

Por isso, é preciso não perder o time. Não esquecer o verbo e não abandonar o ritmo dos versos. Senão, a gente morre e a palavra morre com a gente, sem mesmo desflorar.

Aprendi, no ano passado, que não existe mais um ano de vida. Existe a vida. Que o ano, o tempo e o espaço sou eu que crio. Então, eu desejo a mim e ao tanto de gente que tiver paciência de ler isso, que o próximo ano traga muitos espaços. Sejam eles apertados ou frouxos. Sem crise, o que importa é ir além de si próprio, mesmo que seja de forma apequenada, curta. Transcender seu espaço em novos é também uma forma de se alongar, mesmo permanecendo dentro de seu próprio perímetro. 

Que o novo calendário traga também muitos tempos, pra você entender que, se a natureza tem quatro estações, você tem, no mínimo, o dobro. E isso é bom. Se nem as frutas nascem durante todo o ano, por que você haveria de estar exatamente do mesmo modo que esteve ontem?

No mais, desejo que, em 2013, nos cruzemos mais por aí, tomemos uma no boteco da esquina, joguemos conversa fora e também risadas e lamentações.