Dia de Reis faz eu me lembrar da primeira vez que fui ao
Paraná, visitar meu avô, Seu Zé. Eu tinha seis anos, ele dois violões. Contou
que havia tocado no 'Dia de Reis'. E que, todos os anos, repetia a mesma
façanha, desde que era moço novo.
Aproveitou e me mostrou como é que se tocava. Pegou seu
violão da cor do céu e, naquele momento, enquanto seus dedos se deslizavam pelo
braço do instrumento, eu senti, pela primeira vez, vontade de também fazer sair
de meus dedos alguma música.
Nesse dia, ele disse que aqueles dois violões eram meus.
"Herança minha pra tu, menina!". Passados seis meses de minha visita,
ele veio morar aqui em São Paulo, sem a mulher, e sem os violões. Um dia,
voltou pra buscar a mulher, dona Nair. Mas, mesmo depois disso, vivia dizendo
que precisava voltar para sua terra.
Ninguém entendia muito bem essa vontade de voltar, já que
aqui estavam todos seus filhos. Foi aí que, no dia 7 de dezembro de 1999,
enquanto ele se preparava para mais uma viagem ao Paraná, ele disse à minha mãe
que voltaria à sua terra prometida e pediu a ela que o perdoasse de qualquer
coisa. Gente do interior sempre diz essa frase quando tá indo embora da casa do
parente. E gente do interior também costuma dar muito valor pra terra que pisa
e planta.
Noutro dia, já com as passagens em mãos, Seu Zé acordou meio
cabisbaixo. Pediu a dona Nair que preparasse um chá. "Deve ser ansiedade
pra viajá, Zé", pensou a senhora. Deitou-se um pouco, já que a viagem
seria só à noite. Aí, que a viagem se adiantou tanto, que seu Zé não aguentou
mais de saudades de seus violões, e naquela tarde, após o almoço, foi de vez
para sua terra prometida, deixando mulher, filhos e netos.
Não sei explicar o porquê, mas eu não consegui ir ao seu
velório. Pra mim, vô Zé tá lá em seu sítio, trocando os dedos em um violão
azul, me esperando chegar só para entregar sua herança.