21 de fevereiro de 2013

É sábado de carnaval



O último trem sai à uma da madrugada. É sábado de carnaval. No vagão, um crente entoa seus cânticos. Do outro lado, um menino de boné apoia seus pés no banco e adormece.

Depois de uma hora, o ruído do freio anuncia a próxima parada. As portas se abrem, assim como as cortinas de um teatro velho. Guardas esperam ansiosos pela saída do último passageiro. É sábado de carnaval. 

As escadas, sempre tão cheias de pés, bundas e cotovelos, agora estão esvaziadas. No ponto de ônibus, uma meia dúzia de almas esperam.

Do lado direito, três moças conversam alegres. Uma chega e grita, ainda da escadaria, "gata, onde você vai? Cumprimentam-se. "Caraio, você aqui". Em cinco minutos, são surpreendidas com uma carona. É sábado de carnaval.

"Opa, parceiro", chega o bêbado, enquanto os garotos decidem se vão ou não ao funk da loira. Mas o bêbado não se dá conta e continua seu falatório sem fim. "Ae, irmão, não leva a mal não, mas cê pode fazer um olho aí, pá gente trocar uma ideia no particular?". É sábado de carnaval.

O bêbado não responde. Se curva para o único cachorro que passa. "Ô, negão". Alisa sua cabeça. E os dois, bêbado e cão, seguem próximo à barraca do churrasquinho de gato. O cão para, como quem pede por um pedaço do cheiro da carne. Já o bêbado, senta-se ao lado do cão, bota suas mãos e joelhos no chão. E ali, páreo a páreo com o cão, foi que o bêbado encontrou seu único consolo.

É sábado de carnaval, mas um homem vai amanhecer abraçado a um cão. Enquanto todos os outros que esperam sobem no último destino dessa noite: Cemitério Perus - 8015.

Afinal, é sábado de carnaval, mas a vida continua.

Nós que aqui estamos, por Godot esperamos

Eu não sei se sentem isso, mas sempre tenho a impressão que, daqui a cinco minutos, algo extraordinário vai acontecer. Algo que mude o fio da meada, que traga um 'num sei o quê', misturado a 'num sei quê lá'! Aí é que, nesses momentos, eu percebo que a gente tem que ser menos taxista na vida. Deixar de esperar o passageiro chegar, e sair por aí, como quem num quer nada. "Afinal, o importante é estar na roda, que mesmo parado, você continua em movimento.

1 de fevereiro de 2013

Primeiro dia de aula é inesquecível

Primeiro dia de aula. 1ª série. Minha lancheira era roxa, e o cheiro do pão com presunto e queijo, preparado por minha mãe, ainda vive na lembrança. Dalí a pouco, toca o sinal, ela vai embora e eu percebo um medo crescendo de repente.

Olho ao redor. Um tanto de crianças pulando. "Será que eles já se conhecem? Só eu que não conheço ninguém?". Menina tola. Era o pessoal do 2º ano. Senti que, ali, naquela escola com meninos grandes, eu teria que aprender a me virar sozinha.

1º D. Professora Ivône. Era uma mulher de estatura baixa. Nem gorda nem magra. Cabelos negros e lisos até a cintura. Parecia uma índia. Uma índia evangélica, logo percebi, pela saia que levava até os joelhos e pelo modo como falava de Deus nas aulas.

Eu adorava ir à escola e gostava também da Prô Ivône. Ela sempre elogiava meus trabalhos e, de sobra, ainda escrevia um comentário em todos eles - Parabéns, ficou lindo, princesa!

Eu achava que aquilo era só comigo, até ver o mesmo comentário nos trabalhos dos colegas. Um dia, levei um presentinho pra Prô, um ursinho. Ela adorou. Mas passado algum tempo, ela começou a dar algumas coisas de brinde para as crianças. E, poxa vida, ela deu o meu presente para a Daniela. Uma menina que sentava na primeira fileira do canto esquerdo. Fiquei chateada. Contei a minha mãe. Aí ela explicou que não importava pra quem ela desse o presente, pois a professora índia iria continuar  gostando de mim da mesma forma.

Demorei um tanto de tempo  pra entender esse dinamismo das coisas, e como nos sentimos proprietários até daquilo que damos. Passados catorze anos, eu compreendi que nem tudo que você doa permanece igual. O efeito de transformação excede àquele cronometrado por seus sentidos e sentimentos. Hoje em dia, enconro a prô Ivône pelas ruas, ela já com seus 60 e poucos anos, eu com meus 21. Engraçado, ela continua me chamando de "minha princesinha", mas desconfio que nem se lembra do meu nome.