O último trem sai à uma da madrugada. É sábado de carnaval.
No vagão, um crente entoa seus cânticos. Do outro lado, um menino de boné apoia
seus pés no banco e adormece.
Depois de uma hora, o ruído do freio anuncia a próxima
parada. As portas se abrem, assim como as cortinas de um teatro velho. Guardas
esperam ansiosos pela saída do último passageiro. É sábado de carnaval.
As escadas, sempre tão cheias de pés, bundas e cotovelos,
agora estão esvaziadas. No ponto de ônibus, uma meia dúzia de almas esperam.
Do lado direito, três moças conversam alegres. Uma chega e
grita, ainda da escadaria, "gata, onde você vai? Cumprimentam-se.
"Caraio, você aqui". Em cinco minutos, são surpreendidas com uma
carona. É sábado de carnaval.
"Opa, parceiro", chega o bêbado, enquanto os
garotos decidem se vão ou não ao funk da loira. Mas o bêbado não se dá conta e
continua seu falatório sem fim. "Ae, irmão, não leva a mal não, mas cê
pode fazer um olho aí, pá gente trocar uma ideia no particular?". É sábado
de carnaval.
O bêbado não responde. Se curva para o único cachorro que
passa. "Ô, negão". Alisa sua cabeça. E os dois, bêbado e cão, seguem
próximo à barraca do churrasquinho de gato. O cão para, como quem pede por um
pedaço do cheiro da carne. Já o bêbado, senta-se ao lado do cão, bota suas mãos
e joelhos no chão. E ali, páreo a páreo com o cão, foi que o bêbado encontrou
seu único consolo.
É sábado de carnaval, mas um homem vai amanhecer abraçado a
um cão. Enquanto todos os outros que esperam sobem no último destino dessa
noite: Cemitério Perus - 8015.
Afinal, é sábado de carnaval, mas a vida continua.