Reza a lenda que um tal de André, que era irmão de Simão,
que conhecia um tal de Jesus, começou a tratar muito bem uma gente que dele se
aproximava na praia. Eis que esse André foi virar padroeiro de uma ilha bem
distante daqui, mas onde o mar se mistura com o céu, e o céu, meu povo, fica
perto, mas muito perto dos dedos de quem costuma contar estrelas ao anoitecer.
Vai vendo!
Ilha do Cardoso |
Era uma vez umas gentes cheias de vontade: de pisar na
areia, de ver golfinho e molhar o dedão do pé . E era uma vez umas vontades
cheias de gente: fina, elegante e sincera, que, na manhã daquele 1º de
dezembro, firmaram seus calcanhares na praia de um tal de Cardoso, que sequer
deu as caras durante aqueles dias.
Malandro, seu Cardoso deixou lá alguns capangas que davam as
coordenadas pra onde é que aqueles pés sem rumo deveriam armar seus devaneios.
- Vinte e sete pés, aqui!
- Sim, senhor! Gritaram.
- Com emoção ou sem emoção?
Ninguém respondeu.
- Silêncio dado, emoção vendida! Gritou o capanga, rasgando
mato adentro! “Emoçããããããããão” saiu
dizendo!
Amedrontados, os 27 pés descalços foram adentrando por
aquela floresta no meio da areia salgada. E um deles, lá do fundo, indagou
“Mangue é só no nome, né?”. Mas o homem que ia à frente não respondeu.
E, pouco a pouco, íamos sendo abraçados pelos braços das
árvores. Cutucados pelos galhos e observados pelos caranguejos. Muitos. Que iam
e vinham, vinham e iam, como a dizer “nhém nhém nhém nhém, sinal fechado pra
você, playboy”!
Ponte do mangue |
E, sem titubear,
parávamos feito estátuas, até que aquelas filas passassem e pudéssemos seguir o
caminho dos fundos. Aquela era a avenida paulista do Manguetown. E os nossos
pés eram os carros, que, diferente dos de cá, paravam pra natureza passar.
Ao enfrentar o primeiro desafio, outro mais nos esperava. Uma grandiosa ponte grande. Alta. Tão alta que, se você caísse, iria
ser sugado pelos caranguejos infiltrados em seus buracos. E, por isso, todo
mundo passava na ponta dos dedos, arrastando os pés e levantando os calcanhares,
assim como, mais tarde, iriam fazer ao dançar um forrobodó do outro lado da
floresta (en)cantada.
Após armarem seus sonhos, e guardarem seus problemas nas malas,
todos foram esbravejar aquela Ilha, que já não era mais do Cardoso ou dos caranguejos
que a habitavam. Era nossa e dela nos apropriamos. Nos afundávamos tanto
n’água, que parecia um batismo da alma.
E, na noite desse dia, todos já estavam pra lá dos saquês de
abacaxi e caipirinhas de morango. Ouvia-se rojões. Soltava-se fogos à doidado.
E o povo todo ia à loucura, enquanto as rabecas do fandango iam surtindo efeito
naqueles que tinham ouvidos nas solas dos pés e remelexo no meio da
cintura. Era um tal de
quebra-quebra pra lá. Quebra-quebra pra cá, até que uns joelhos não agüentavam
mais. Mas esses mesmos joelhos tinham
motivos de sobra pra se ter mais fé.
Seja para observar iscas e anzóis, daqueles Andrés, Pedros e Tiagos que
pescavam no mar em frente, ou apenas
para comemorar. Mesmo não estando tão famintos ou curiosos, continuavam a olhar
o mar escuro. E olha que o mar escuro daquela noite trazia o medo lado a lado, mas,
logo, transformava-o em corais mais coloridos.
VALEU A PENA, Ê, Ê! VALEU A PENA, Ê, Ê!
Eternamente, pescadora de ilusões.
De Selenita para a galera da TRIP para TODOS!
Texto realista-fantástico-doidera, totalmente inspirado em viagem à Ilha do
Cardoso, dezembro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário