22 de junho de 2012

Devir

Ela virou pro lado e resolveu, mais uma vez, acelerar a marcha. A marcha ré. E andando de ré, não reparou que estava indo aos mesmos caminhos que outrora havia passado e se perdido. Não percebeu que, às vezes, é melhor permanecer no semáforo amarelo, em vez de ficar avançando os sinais e atropelando o tempo. Em sua veia, o sangue pulsa de maneira mais corrente, tudo se oxigena e vira outra coisa em questão de segundos. Sem rosto. Sem nome. Sem cor. E seu corpo todo pulsa e grita por um pouco – só um pouco – de calmaria. Mas se acostumou tanto com o tempo do vento, que a brisa, meu rapaz, ficou pesada demais. E tudo é este eterno devir. De vir a ser algo preso num corpo aberto. Ou, então, de abrir passagem pra um carro ainda na contramão.

11 de junho de 2012

Dos intervalos


Tem horas que eu quero Tudo pra mim. E esse Tudo inclui os vazios que formam todo esse Todo. E não admito estar ausente entre um vazio e outro. Os intervalos me dão medo, confesso.  Mas também me encantam. Pois cantam aqueles silêncios despercebidos. Os que, ainda, estão aos pés do ouvido. Quem sabe, um dia, consigam chegar até aos olhos do coração.  

Eu sou uma AMADORA

AMADORA
AMA
AMAr
     A
       DOR que
     ADORA



Dos riscos



Me arrisco a dizer
Que este risco é
Arriscado demais para se riscar assim,
Tão subitamente
Em mim.

Se risco, arriscado
Também estou.

Se me arrisco
Risco pra
Você
Eu também dou.

Veja só
Era só um risco
Mas um poema virou! 

10 de junho de 2012

Cuidado com o tempo


Ela entrou vagarosamente em meu quarto. Meio à espreita parou na porta. Olhou fixamente para a janela e disse “Cuidado com o tempo”. Partiu. Foi para a cozinha, onde o tempo nunca para, sempre se mexe entre uma colher e outra dentro da panela. Enquanto em meu quarto, o tempo era vagaroso, pois sempre estava à espera. Talvez, de algum passarinho bicando na janela, com seu canto indecifrável. Ou então, do toque de uma brisa fria ou quente, mas que fosse boa.

E essa espera era ao mesmo tempo uma espera de mim, de se saber onde um Eu começava até o Outro chegar. Uma necessidade de saber até aonde minhas pernas podiam alcançar. O que queria era alcançar um céu, mesmo sem borboletas. Mas o que queria mesmo era sentir borboletas.



Fechou as janelas que ainda estavam abertas. Não estava pronta para os passarinhos, brisas ou qualquer coisa que adentra sem pedir licença. Foi caminhando até a cozinha e lá encontrou, mais uma vez, um tempo em ebulição. Colocou-se em volta da mesa retangular e quis, pela primeira vez, que esta fosse um grande círculo. Sentiu-se à vontade para ter vontades estranhas. De correr em volta da mesa e pedir uma colher, só uma colher, daquele tempo que parecia não voltar.

E se lembrou das prosas ao fim do dia. Das histórias em dias de chuva. E da vela pra Santa Bárbara que fez um raio pairar no ar. Enquanto isso, o tempo se sublimava pela fresta do vitrô. E percebeu que naquele canto da casa tudo tinha consistência. Tudo se formava e se deformava no espaço, com um começo, um meio, mas nunca um fim. Quando parecia acabar, logo se transmutava em algo muito além daquilo que era, e tomava novos rumos, novos céus, que excediam as velhas telhas de brasilit.

Foi aí que ela percebeu que não importa quão redonda é a roda, o que importa é você estar em movimento. Deixar as janelas abertas, para que as coisas todas possam entrar e sair quando bem entendem, para que saibam que o teto que as envolve é só o primeiro degrau de uma escala maior ainda.

Nesse dia, o feijão ficou pronto às 13h. A chuva começou a pingar. A janela do quarto foi aberta e toda a ebulição do outro lado da casa se voltou para aquele fechado. Se ela soubesse do movimento do tempo à tempo, teria deixado os caminhos abertos bem antes. Porém, é preciso cuidar do tempo, para não perdê-lo de vista. Às vezes, ele está bem ali, na cozinha ao lado.