Ela entrou vagarosamente em meu quarto. Meio à espreita
parou na porta. Olhou fixamente para a janela e disse “Cuidado com o tempo”.
Partiu. Foi para a cozinha, onde o tempo nunca para, sempre se mexe entre uma
colher e outra dentro da panela. Enquanto em meu quarto, o tempo era vagaroso,
pois sempre estava à espera. Talvez, de algum passarinho bicando na janela, com
seu canto indecifrável. Ou então, do toque de uma brisa fria ou quente, mas que
fosse boa.
E essa espera era ao mesmo tempo uma espera de mim, de se
saber onde um Eu começava até o Outro chegar. Uma necessidade de saber até
aonde minhas pernas podiam alcançar. O que queria era alcançar um céu, mesmo sem
borboletas. Mas o que queria mesmo era sentir borboletas.
E se lembrou das prosas ao fim do dia. Das histórias em dias
de chuva. E da vela pra Santa Bárbara que fez um raio pairar no ar. Enquanto
isso, o tempo se sublimava pela fresta do vitrô. E percebeu que naquele canto
da casa tudo tinha consistência. Tudo se formava e se deformava no espaço, com
um começo, um meio, mas nunca um fim. Quando parecia acabar, logo se
transmutava em algo muito além daquilo que era, e tomava novos rumos, novos
céus, que excediam as velhas telhas de brasilit.
Foi aí que ela percebeu que não importa quão redonda é a
roda, o que importa é você estar em movimento. Deixar as janelas abertas, para
que as coisas todas possam entrar e sair quando bem entendem, para que saibam
que o teto que as envolve é só o primeiro degrau de uma escala maior ainda.
Nesse dia, o feijão ficou pronto às 13h. A chuva começou a
pingar. A janela do quarto foi aberta e toda a ebulição do outro lado da casa
se voltou para aquele fechado. Se ela soubesse do movimento do tempo à tempo, teria deixado os caminhos abertos bem antes. Porém, é preciso cuidar do
tempo, para não perdê-lo de vista. Às vezes, ele está bem ali, na cozinha ao
lado.
Como você capta tão bem essas verdades? A gente convive com elas, e quase sempre não as entende. Ainda bem que existe você (e outros companheiros ilustres) pra nos abrir os olhos do coração.
ResponderExcluirBeijo constantemente admirado,