10 de junho de 2012

Cuidado com o tempo


Ela entrou vagarosamente em meu quarto. Meio à espreita parou na porta. Olhou fixamente para a janela e disse “Cuidado com o tempo”. Partiu. Foi para a cozinha, onde o tempo nunca para, sempre se mexe entre uma colher e outra dentro da panela. Enquanto em meu quarto, o tempo era vagaroso, pois sempre estava à espera. Talvez, de algum passarinho bicando na janela, com seu canto indecifrável. Ou então, do toque de uma brisa fria ou quente, mas que fosse boa.

E essa espera era ao mesmo tempo uma espera de mim, de se saber onde um Eu começava até o Outro chegar. Uma necessidade de saber até aonde minhas pernas podiam alcançar. O que queria era alcançar um céu, mesmo sem borboletas. Mas o que queria mesmo era sentir borboletas.



Fechou as janelas que ainda estavam abertas. Não estava pronta para os passarinhos, brisas ou qualquer coisa que adentra sem pedir licença. Foi caminhando até a cozinha e lá encontrou, mais uma vez, um tempo em ebulição. Colocou-se em volta da mesa retangular e quis, pela primeira vez, que esta fosse um grande círculo. Sentiu-se à vontade para ter vontades estranhas. De correr em volta da mesa e pedir uma colher, só uma colher, daquele tempo que parecia não voltar.

E se lembrou das prosas ao fim do dia. Das histórias em dias de chuva. E da vela pra Santa Bárbara que fez um raio pairar no ar. Enquanto isso, o tempo se sublimava pela fresta do vitrô. E percebeu que naquele canto da casa tudo tinha consistência. Tudo se formava e se deformava no espaço, com um começo, um meio, mas nunca um fim. Quando parecia acabar, logo se transmutava em algo muito além daquilo que era, e tomava novos rumos, novos céus, que excediam as velhas telhas de brasilit.

Foi aí que ela percebeu que não importa quão redonda é a roda, o que importa é você estar em movimento. Deixar as janelas abertas, para que as coisas todas possam entrar e sair quando bem entendem, para que saibam que o teto que as envolve é só o primeiro degrau de uma escala maior ainda.

Nesse dia, o feijão ficou pronto às 13h. A chuva começou a pingar. A janela do quarto foi aberta e toda a ebulição do outro lado da casa se voltou para aquele fechado. Se ela soubesse do movimento do tempo à tempo, teria deixado os caminhos abertos bem antes. Porém, é preciso cuidar do tempo, para não perdê-lo de vista. Às vezes, ele está bem ali, na cozinha ao lado. 

Um comentário:

  1. Como você capta tão bem essas verdades? A gente convive com elas, e quase sempre não as entende. Ainda bem que existe você (e outros companheiros ilustres) pra nos abrir os olhos do coração.

    Beijo constantemente admirado,

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