31 de maio de 2011

O fim da profissão de cobrador

São sete horas da manhã. Abro o jornal. Leio o caderno principal. Logo após, tomo em mãos o caderno da editoria de cidades e lá está a triste notícia: “Acordo de sindicatos prevê fim de cobradores”. Eu disse triste notícia? Sim, isso mesmo. Quem poderá contar as mais curiosas histórias para essa multidão que, a todos os dias, atravessa o trânsito da cidade de São Paulo?

Vejam bem, o motorista não tem tempo e nem pode perder seu foco, para contar “causos” para cada passageiro que sobe aqueles três degraus dianteiros. Imagina só como seria, se todos os motoristas da cidade passassem a fazer isso. Quão grande seria o número de mortes em trânsito registradas pela CET! Inúmeras, não? Pois, é. Tá aí a importância do cobrador, esse profissional que por longos anos aturou ver minhas diversas caras e as de milhares de outras pessoas.

Lembro, em especial, de um cobrador muito simpático da Linha Lapa- Perus. Ele era branco. Daqueles brancos rosados, que parecem um leitão. Mesmo estando sentado, notava-se que era bem nutrido. Sorriso largo e olhos azuis. Sujeitão boa praça, eu diria.

Assim que um novo passageiro subia, mesmo com aquela cara de poucos amigos, ele lhe retribua com um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Sim, ele fazia todos os horários da linha. Sujeito muito trabalhador.

Mas, o mais engraçado era a forma como ela gostava que o chamassem. “Nada de cobrador, por favor. Eu sou, aqui, o responsável pela setor financeiro. Portanto, me chamem de “administrador financeiro”. E, assim, todos os passageiros que o conheciam faziam questão de chamá-lo dessa maneira. Afinal, não deixava de ser verdade.


“- Três passagens, administrador financeiro!”

Um dia, ele começou a conversar com um menino. E, pelas conversas todas revelou que seu maior sonho era ser bailarino. Sim, bailarino. Porém, seu pai não autorizou, por conta desse preconceito todo que há, ainda hoje, em meninos serem dançarinos.

Enquanto falava, ia cobrando a passagem de quem chegava. Cumpria, assim, não só um papel profissional, mas também social, provando que ser cobrador de ônibus, lotação e todos os derivados, era um exercício diário não só de cidadania, mas de sensibilidade. De saber tirar um sorriso de quem não tem mais ânimo de acordar pela manhã, pois chegou de madrugada.

Um cobrador feliz devia ser beatificado pelo papa, após sua morte. Aliás, o papa não deve nem pegar ônibus para saber os milagres que estes santos homens podem gerar na vida de alguém que passa duas horas sentado em um banco duro, com vista para uma cidade cinzenta (quando há vista, né?).

Afinal, ter um sorriso no rosto para centenas de pessoas que rodam a roleta, não é tarefa fácil. Só um “responsável pelas finanças” de um ônibus conseguia tal artimanha. Pelo menos eu tive a sorte de encontrar um destes pelas minhas estradas. Coitada da nova geração, que terá que sobreviver à monotonia de um ônibus sem cobrador e com um motorista proibido de falar. O negócio é tomar trem, mesmo. Você nunca vê a cara do maquinista e a única voz que soa é a gravação de uma voz robótica digitalizada.

25 de maio de 2011

Hipóteses II - A volta de Apolo e Dioníso

Mais uma vez me deparo com duelos entre Dinísos e Apolos. Eles deixaram de todo o mundo dos mitos, para me acompanhar em meio a esta multidão singular.

Pularam das páginas de seda, mostrando-me que não importa mais o tempo que o tempo percorre até chegar a mim. Importa apenas este tempo. Eu debruçada na janela e você e me olhar. Olhares quase irreais, se não fosse essa constância de sons que de nossa boca soa.

Eu fico aqui, pensando no pensamento que pode, agora, estar invadindo seus sentidos. Trilho em meus neurônios os caminhos que por você passa, ou aqueles que passam por você. Concluo que também sou um deles, com muitas vias. E você tem descoberto, a cada dia, todas elas.

(Eu sempre devaneei sobre você, em meus sonhos de olhos abertos. Agora, posso fechar os olhos e te ter de forma concreta.)

Pa.la.vra. que.bra.da.

Quando escutamos que pa.la.vras. não dizem e nem valem de nada, devemos parar para pensar nas sílabas. Quantas vezes sílabas inteiras são quebradas ao meio, deixando incompleta aquela que era a maior prova do sentir que você imaginava sentir? Quantas vezes a pa.la.vra que passou por seus dedos passou antes por seu pensamento, atravessou céus e se instalou em diversas bocas?

Inúmeras vezes você dividiu suas pa.la.vras. com outras que sequer formaram uma frase. Enquanto, agora, consegue até pensar em futuras páginas de um livro ainda sem capa ou prefácio, porém com dedicatória já definida.

A palavra sente junto com o “sen-ti-dor”, que sente a dor que há em uma pa-la-vra que além de dita, deveria ser olhada, sentida e comida com todo o tempero que há nessas sílabas recém-cuspidas.

20 de maio de 2011

Migalhas ao vento

Voe, mesmo que não haja  mais migalhas para se saber a volta do caminho. Você sabe que não precisa mais de migalhas, apenas de asas. Voe!

O Pra Sempre do Agora

Escrevi. Reli. Não gostei e joguei fora. Qual é o verbo que me leva até você? Qual é o sentido que pode, de repente, me mostrar o sentido de tudo isso? Não sei. Chego a pensar que verbos talvez não sejam tão sentimentais quanto os adjetivos. E que os adjetivos não estejam no AGORA quanto os advérbios. E que os advérbios não tenham o toque especial de uma vírgula. E que a vírgula não seja tão livre quanto as reticências... as quais retêm para si todo o sentido de quem sente apenas o “pra sempre do agora” (...)