28 de março de 2011

Fumaça, o cão dançarino

Minha avó nunca deixou que nossa casa ficasse sem um cão no quintal. Morria um e ela logo  pedia  ao meu tio que improvisasse outro. E essa tradição já dura no mínimo uns 50 anos. Eu mesma vi três cachorros passando pelo meu quintal. O Boneco, que viveu 15 anos. O Rambo, que foi atropelado e andava se arrastando e morreu em 2002 e o que, pra mim, foi o mais especial, o Fumaça, morto no ano de 2008. E é justamente deste que eu, hoje, vou lhes falar.

Assim que o Rambo morreu, minha avó ficou desesperada por outro cachorro. Pois, segundo ela, eles são seguranças da casa e avisam o que está acontecendo na rua. Foi aí que meu pai lembrou de um amigo, o Gringo, que morava dentro do cemitério de Perus e que tinha acolhido um cão que havia sido atropelado. Gringo estava á procura de uma boa família para o canino. Porém, só aceitava doar o cachorro com uma condição: não mudar seu nome, que ele batizara de Fumaça.

O Fumaça chegou a minha casa no começo de fevereiro de 2002. Estava cheio de pulgas. Eu ajudei minha mãe a retirar e ele ficou limpo em um dia. Logo o levamos ao “ Cabeça de Bagre”, um pseudoveterinário do meu bairro, que aplicava as primeiras vacinas da vida de um cão. Neste dia o Fumaça ganhou uma carteira de identidade, com direito a ter até uma mãe. Eu. Mãe solteira de Fumaça Moreira André.

Nessa época, eu ainda estava na quinta série e conseguia me dividir entre os estudos e o Fumaça. Contava tudo a ele, principalmente dos meus primeiros vestígios de amor. Às vezes, eu tinha a impressão que ele era algum antepassado meu, pois me escutava com tanta devoção. Ah! Sem dizer que ele sabia distinguir as patas quando eu pedia. Se era a esquerda ele oferecia a esquerda. Ele era também um ótimo dançarino, o melhor.

Certa vez, em 2004, o danado do Fumaça resolveu pular na casa da vizinha. Pra quê! Lá havia dois grandes cães, o Duque e o Neném, que não aceitavam de jeito algum dividir o espaço que ocupavam. O Fumaça voou para aquele quintal, para as bocas e garras dos anti-sociais cachorros.  Meu pai foi tomado por um grande desespero, pulou o muro do fundo de nossa casa para salvar o nosso querido amigo. Foi uma luta, pois não se podia bater nos outros dois, pois a dona deles era uma pequena menina que, assim como eu, precisava de seus cães.

Eu logo peguei uma imagem de Santo Expedito, o Santo das causas urgentes e fiz uma promessa a ele e também a Nossa Sra. Aparecida. Se o Fumaça fosse salvo, eu levaria uma foto dele à igreja dos dois santos. Que promessa de criança. Mas, como dizem, crianças são anjos e anjos estão mais perto de Deus. Só sei que minha prece foi atendida e meu cãozinho saiu são e salvo. Com uma mordida na orelha, apenas. Ufa!

O tempo foi passando, e meu menino foi virando um homem. Ele já tinha 7 anos, e eu, que o adotei quando estava na 5ª série, agora ia prestar o vestibular. Eu estudava 10 horas por dia, fazia o ensino médio e técnico. Já não o via todos os dias, pois chegava muito cansada. Mas, sempre que chegava, às 10h da noite, dava a ele pelo menos Boa Noite. Mas  não dançávamos mais juntos e ele já nem sabia dos meus medos e segredos.

Numa manhã de Julho de 2008, o Fumaça acordou e não correu pelo quintal. Todos acharam estranho. Ele era tão enérgico. Ficou lá quietinho em seu canto. Meu pai o levou ao “ Cabeça de Bagre” e ele recomendou algumas injeções. Eu me sentia culpada por ele ter adoecido. Sentia que a minha ausência o tinha deixado naquela situação. Os esforços por sua melhora duraram em média duas semanas. Eu via aquele corpo quieto, deitado sem levantar e lembrava-me de nossas danças. De seu jeito de me olhar atencioso, como quem quer dizer algo e não sabe como. É. Ele não sabia falar, mesmo. Mas me entendia melhor que qualquer humanóide. Era o que eu sentia em seus olhos.

No dia 22 de julho o Fumaça foi para o céu dos cachorros. Eu nem acompanhei seu enterro, no fundo do meu quintal. Foi melhor assim, pois guardo comigo a imagem dele vivo e seus olhos atenciosos. Fumaça, saudades dos seus latidos ensurdecedores, enquanto eu falava ao telefone. Depois de você, eu não dancei mais com nenhum cachorro e nem vou dançar. 

3 comentários:

  1. Emocionante! Terminei a leitura com olhos vazando. Tenho um poodle, o Luan, que está prestes a completar 20 anos!!!!!! Está ranzinza, um pouco surdo e com catarata num dos olhos.Mas eu olho pra ele, parece o mesmo de anos atrás. Vai ser um baque quando ele partir para o céu dele.Bom te ler! Beijo!Shu

    ResponderExcluir
  2. Depois de "Dançando com os Lobos", aprendi que mais que fidelidade, a lealdade é algo a ser valorizado Jéssica querida.
    Faz bem em "dançar" apenas com o Fumaça (existem coisas que são das relações apenas entre dois seres), mesmo que venha a ter outros amados e especiais cachorros...

    ResponderExcluir
  3. Poxa Jéssica! Emocionante seu texto... Aliás... Quem já amou assim pode entender (ou melhor sentir) o significado de cada uma das letras que você escreveu aqui.
    Se você permitir... quero mesmo compartilhá-lo lá no blog!
    Bjo

    ResponderExcluir