16 de setembro de 2011

João e o Pé de Cobra


Desde pequeno João era meio ranzinza. Birrento de tudo. Mas nunca chorava. Segurava as lágrimas, assim como hoje segura o dinheiro da aposentadoria. Era um desses meninos raquíticos. Miúdo. Mas quando o bicho pegava, sabia correr muito bem.
Nessa época, João tinha uns quatro anos e meio, e seus pais e irmãos moravam no sítio do Seu Joanim, em Atibaia, interior de São Paulo. Seu Joanin era filho de italianos, que chegaram a São Paulo na época da imigração. Sitiante, era um homem remediado, plantava frutas e verduras para vender para a população local.
Dona Laurentina, mãe de João, tinha uma grande estima por Seu Joanin. Que, além de patrão, era também seu compadre. Padrinho do nosso então João.
Caseiros do sítio, Dona Laurentina e Seu Sebastião trabalhavam noite e dia para sustentar os filhos. E, para um dia, conseguirem ter sua própria casa. O sítio era grande, com muitas variedades de plantações – batata-doce, arroz, feijão, milho – entre tantos outros. O trabalho era árduo, mas a família seguia feliz. Afinal, viviam em harmonia com a natureza.
Tão em harmonia, que um dia João quis trazer um novo membro para a família. Mesmo rabugento, sempre teve um bom coração. Até para com os animais.
João no país das maravilhas
Certa vez, enquanto João estava brincando na terra, com todas as suas formigas e insetos de toda natureza, ele viu passar correndo por seus olhos uma cobra. Uma cobra de paletó verde e um relógio na mão. Continuou brincando, quando de repente se questionou. “Mas cobras não usam paletó. Muito menos verde”.
João saiu correndo atrás da cobra, quando a viu entrando em um buraco (e não em uma toca, como na história de Alice). João se apressou, para alcançar aquela curiosa criatura. Chegou a dar uma volta inteira pela casa, formando uma circunferência de 380º. Isso tudo para saber o destino do animal. Eis, então, que a cobra entrou em um dos buracos de baixo de sua casa. Naquela época, todas as casas de concreto não eram construídas direto no chão. Havia uma espécie de sub-andar, onde se instalavam seus alicerces. Entre eles havia muitos vãos. E em um destes, lá ficou a dona cobra de paletó verde.
O buraco era pequeno e João, apesar de miúdo, não conseguiu nele entrar. Foi quando teve uma grande idéia grande. Iria, a partir daquele dia, alimentar sua mais nova amiga e companheira. A cobra se tornou, desde então, a irmã mais nova de João. E era seu dever cuidar dela, até que ela crescesse e virasse adulta e tivesse também uma família, com filhos e netos, assim como haveria de ser um dia a família de João.
A partir disto, João criou uma estratégia para alimentá-la. Todo dia, depois do almoço, deixava um restinho de comida no prato. “Onde já se viu! Tanta gente passando fome aí e esse menino desperdiçando”. Franzia a testa o pai de João, que era um homem muito bravo. Enquanto sua mãe comentava,  “Ara, Bastião! Antes ele comer um pouco do que não comer nada”. João permanecia calado. Afinal, ninguém poderia desconfiar que aquele pouco de comida  tinha um objetivo predestinado.
No primeiro dia, o menino levou apenas umas duas colheres de arroz. No segundo, levou arroz e feijão. E, depois de duas semanas, quando viu a evolução de sua cria, começou a levar também batata, cenoura, carne. Quanto mais a cobra ia crescendo, mais João se empenhava em deixar no prato mais um tanto de comida. Sua fome até passava, com a ansiedade de ir alimentar o bicho.
Dois meses se passaram. E a mãe de João começou a ficar preocupada. O menino já era magro. Deixando comida no prato daquele jeito, ia ficar mais magro ainda. Até fez uma simpatia para o menino Jesus, para que seu filho comesse mais. Senão, daqui a pouco, iria morrer de anemia nos olhos. (No interior, as pessoas medem o grau de anemia de alguém pelo canto inferior dos olhos. Quanto mais vermelho estiver, menos anemia tem). O canto inferior dos olhos de João nem cor tinham, mais.
Foi quando Dona Laurentina resolveu perguntar a ele por que deixava todos os dias, um resto de comida no prato. Assustado e com medo de apanhar, João não respondeu. A senhora insistiu e ameaçou deixá-lo de castigo caso não contasse. João hesitou. O que ele faria? O que seria da vida da cobra de paletó verde? E todos os planos de vida que ele tinha pensado para ela?
Devoto de São João, seu santo protetor, o garoto pediu ao milagreiro que cuidasse da cobra, para que ela não morresse, mesmo que sua a mãe a descobrisse. E, aproveitando que este era um santo casamenteiro, João pediu também que ele ajeitasse um casamento pra dona cobrinha, para que ele pudesse mesmo se casar, ter filhos, netos e bisnetos.
Já com a vara na mão para nele bater, João não agüentou a pressão de sua mãe e contou a ela o que lhe motivava a deixar um tanto de comida no prato.
“Eu tenho uma amiga. Uma amiga cobra. E tive dó dela, coitada! Ia deixar ela passando fome?”, explicou-se João.
“Com uma amiga dessa você não precisa nem de inimiga!”, esbravejou dona Laurentina. “Nunca mais vai deixar comida no prato para cobra alguma”.
Dona laurentina foi lá averiguar. E, de fato, a tal cobra existia. Não tinha paletó verde, como imaginava João. Mas era uma cobra caninana, que tem por característica a cor esverdeada. João, confiante no santo de seu nome, não mais foi levar comida à cobra, que já havia alcançado um metro de cumprimento.
Até hoje, com 59 anos, ele nunca mais deixou comida no prato!

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