Nisso, o trem estacionou na estação e a voz me acompanhou
vagão adentro. Tinha nome, endereços e histórias. Dessa vez, quem vinha compor
mais um capítulo desse divã era o Seu Antônio. Um negro de mais ou menos um
metro e setenta, vestia calça social, camisa branca e levava consigo uma
maleta. Eis que o peixe da capa da revista fora apenas o gancho de uma conversa
que duraria sete léguas de estações.
Seu Antônio estava voltando de uma de suas casas de aluguel,
em Perus. Além dessa, tinha também uma outra num bairro que já não me lembro o
nome. "Eu sou um homem bem sucedido, eu tenho dinheiro, faço empreiteira
pro Pão de Açúcar, você conhece o Pão de Açúcar, né. Tenho muita gente
trabalhando comigo", ia dizendo, enquanto o trem nos balançava de um jeito
que parecia que jogaria fora, caso não fossem suas janelas e portas pichadas.
A vida do homem que gosta de comer peixes começa a esquentar
quando ele ainda tinha 19 anos e começou a trabalhar como pedreiro para grandes
empreiteiras. Nessa época, Antônio diz que era um homem bonitão, sempre vivia
arrumado e costumava sair para dançar. Mas foi aos trinta e poucos anos, que o
homem teve uma grande reviravolta. Trabalhava numa obra no Brás, onde havia um
restaurante bem em frente com comida barata. Foi lá que antônio conheceu a
garçonete que, quinze anos mais moça, iria se tornar a mãe de seus filhos.
Os dois, cristãos protestantes, logo se casaram em uma
Congregação. Os filhos cresceram e, certo dia, a mulher de Antônio resolveu
mudar de igreja. Ele achou estranho, mas aceitou. "Era gosto dela,
né". Passou a usar batom e vestir calça comprida. Agora, ela não queria
mais saber de ser só a mãe-mulher-dona de casa. Queria ser a
mãe-mulher-dona-de-casa-e-trabalhar-fora. E foi. "Mulher minha não precisa
trabalhar. Não faltava nada pra ela, não sei por que isso".
Eis que a dona foi viver novas vidas, aquela que, aos
quinze, lhe fora roubada por uma paixão. Até que um dia resolveu ir embora.
Arrumou todas as lembranças dentro de uma mala, amassou bem para caber tudo e
partiu. Os filhos, já tudo criado, ficaram com o pai. "Eu tenho uma família
já formada advogada. Eu não sei o que aconteceu com a cabeça da minha mulher,
era tão direita".
O ex-marido ficou tão desesperado que um dia sentiu até o
cheiro dos rastros da mulher. Havia ido comprar um terno, para reunião que
teria pra fechar contrato com uma empreiteira. Resolveu descer no bairro da
Lapa, ver se achava algo mais barato. Encontrou. Depois, quis dar uma volta no
shopping e comer alguma coisa na praça de alimentação. Pra quê? Quando ia pegar
seu lanche, deparou-se com a amada toda em carinhos e afagos com um novo amor,
o porteiro do prédio onde agora reside.
"Eu tive vontade de pegar uma faca e...você acredita
nessa situação? Tava parecendo uma mocinha lá, toda toda, você acredita?",
contava, enquanto passava a mão no rosto, como se a pressão arterial fosse
explodir só de lembrar o fato.
"Você sabe que a mulher me trocou por um homem que
ganha mil reais por mês? Você acredita? Mil reais é o preço de uma casa de
aluguel minha. Eu tenho é pena dela, ela que vai sofrer", dizia, como diz a
criança mimada, inconformada por alguém trocar sua moto motorizada por um
carrinho de rolimã, sem pensar que esse último, improvisado com madeira simples
e rodinha emprestada, pode fazer alguém mais feliz que o brinquedo caro.
Nesse dia, ouvi com atenção, sem dar pitacos. Eu não mudaria
a dor, muito menos os dogmas que já haviam criado raízes naquele senhor.
Descemos na Barra Funda. Ele deu adeus, eu recomendei Ômega-3 pro coração.
(Cá pra Nós nos trens da CPTM)
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