Caminhava apressada para chegar ao samba no Bixiga. No
caminho, avistou as portas entreabertas de uma igreja que nunca havia entrado.
Antes mesmo de pensar em entrar, foi barrada por um vendedor de rosas. Um negro
alto com uma vista comprometida. Uma das janelas da alma estava totalmente
coberta por uma camada esbranquiçada. Dizia estar com fome e, por isso, queria
vender cinco flores murchas por vinte reais. A moça, solidária, desembolsou
dez. Ele titubeou, tentou até negociar, mas não havia o que reclamar. Tomou os
dez reais nas mãos e, em troca, deu uma rosa com pétalas caindo, enquanto dizia
que Nossa Senhora a protegeria. Foi embora, enquanto a moça entrava naquele
grande templo, todo ornamentado. Olhou todos os detalhes e pensou no tanto de
dinheiro que fora deixado praquela arquitetura. Botou os joelhos no banco de
madeira, como há muito não fazia. Afinal de contas, não acreditava mais em
Deus. Mas isso não a impediu de agradecer. Só não sentia mais a necessidade de
pedir perdão. Não via pecado em não acreditar em Deus, muito menos em não
seguir os mandamentos. Continuou ajoelhada e pediu apenas pela energia, essa
que envolve gente, bicho, planta e até inseto. E ali ficou, aguardando o
momento da hóstia chegar. Pelas regras, não podia tomar o corpo de Cristo, já
que não chegou no início da missa. Incrível como ainda lembrava do ritual. 'O
corpo de Cristo'. 'Amém'. Tomou, ajoelhou mais uma vez. Mas diferentemente
doutros tempos, não esperou o 'Vai em paz e que o Senhor voz acompanhe'. Ainda
na igreja, lembrou do destino inicial e pensou na frase de um poeta do povo.
"Quer saber?", disse a si mesma, "quem quiser rezar por mim, que
o faça sambando!". Nesse dia, sambou tão intensamente, que até perdeu o
último trem das onze.
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