16 de outubro de 2011

A lei orgânica da escada rolante


Há uma lei orgânica da escada rolante. Só se para à direita. A esquerda dá passagem. Não, não está escrito em nenhuma tábula ou constituição. É naturalmente respeitável.


Todos os dias milhares de pessoas param do lado direito. Malu para porque gosta de sentir aqueles fiapos embutidos na escada. Isto lhe dá prazer. Manuel para porque gosta de olhar pra baixo e se sentir, pelo menos uma vez no dia, superior ao seu chefe – que sempre acaba encontrando na última estação. Maria para por cansaço. Ser diarista já lhe faz exercitar em muito suas velhas pernas. Lucia nunca parou. Augusto não usa escada rolante.

Lucia e Augusto não sabem, mas todos os dias tomam o mesmo trem, e para o mesmo sentido. A vida é breve e a cada dia ela se abrevia mais. Lucia não olha em sua volta, é movida a teorias behavioristas. Augusto é o pragmático. Fazer tudo igual, para ele, é questão de honra, de sobrevivência. Não existe vida se não houver lógica. Não existe sonho. Sonhar denota tempo e tempo é o que falta.

Manhã de setembro. Correria na estação. A escada comum lotada. Estranho. Quem usa escada comum? O mundo, para Augusto, parecia ter mudado de posição. Em sua mente, as pessoas não pensavam em termos práticos o bem que há em subir uma escada andando. Para ele, as pessoas simplesmente não pensavam. Mas a verdade é que Augusto que com estas idéias todas deixou de pensar. E, não percebeu que a escada rolante havia se desligado. Olhar apenas para o degrau a frente causa certos distúrbios em quem não observa a escada ao lado.

Enquanto isso, Lucia teve que, pela primeira vez em um ano, subir a escada comum. O cansaço premeditado suava em sua testa. As pernas já doíam e a repulsa que tinha pelos corpos ao lado a fazia repulsar seu próprio corpo. Que, pouco a pouco teve que ir escorregando as mãos pelo corrimão até conseguir mudar o pé de degrau. Parecia mais uma alavanca movediça que uma humanóide tentando ser humana.

Augusto subia a escada, quando de repente esbarrou no braço de alavanca de Lúcia. Por um instante os dois se olharam. Por um instante, Augusto deixou de pensar nas possíveis conseqüências que aquele olhar poderia, futuramente, enxergar. Por uma fração de segundos, Lucia não foi movida a nenhum impulso, nem mesmo os seus próprios. Apenas foram Augusto e Lucia, antes de terem se tornado qualquer coisa de certo ou errado.

Porém, não é da noite pro dia que abandonamos a bagagem que trouxemos de casa. Deixar que a bagagem do outro se junte à minha é quase que ter que dividir o espaço do quarto com o irmão mais novo. E ter o irmão mais novo no quarto é quase que dividir sua existência com ele. Lúcia e Augusto não sabem. Mas, mais uma vez, não estavam prontos para dividir a existência de um com o outro. E aquele momento efêmero, de olhares atravessando sons de metal correndo, foi substituído por pernas com pressa de chegar a um lugar que, possivelmente, não os levará a lugar algum. 

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