Era horário do almoço. A avó escolheu ir escolher feijão,
enquanto a menina o arroz. Dali a pouco, a menina foi até a mesa e parou um tanto
de tempo pra ver o tempo da avó passar. E não entendia bem quais eram os
critérios que a senhora utilizava pra separar o feijão. Ora a senhorinha jogava
o grão na panela. Ora colocava de lado.
“Esse vai. Esse não vai. Esse vai também. Esse não e esse
aqui também não”. E a menininha, encabulada e cheia de perguntas, não hesitou
em interromper a avó. “Que foi, menina?
Num tá vendo que tô ocupada, ora?”, reclamou a vózinha.
A menina desistiu de todas as perguntas e cresceu com
aquelas dúvidas atrás da orelha, dos olhos e também dos dedos. “E, agora?
Qual será o critério da escolha do feijão?”, se questionava, uma vez ou outra. Eis que um dia foi fazer uma visita à avó, em
horário de almoço. E, como há anos, a avó também colhia o feijão, com a mesma
paciência e concentração.
Dessa vez, a menina -
agora, moça grande - decidiu que não perguntaria nada. Apenas observaria os
gestos, os olhos e as mãos. E a avó nem percebeu sua presença ali, quietinha, e
continuou na lida.
Foi aí que a moça percebeu que, em todo almoço, há um
escolhido. E o escolhido, no final, não
tem escolhas, a não ser que ele passe a ser escolhe-dor, quem sempre escolhe a
dor do outro, sem razão ou sem querer.
"Filha, vem almoçar, vem?".
Já vou, vó. Tô escolhendo a minha dor.
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