Céu nublado. Pingos finos sobre as pedras compunham o
cenário daquela manhã cinzenta. E aquela cidadela, toda maquiada naturalmente
de pedrinhas, ia, aos poucos, nos convidando a nela adentrar. E nisso até os
cachorros eram acolhedores. Tinham ares de quem sabe viver bem. Bebiam da mesma
água que nadavam. E cheiravam todo corpo novo, a fim de desejar boas vindas.
Era uma cidade miúda. Mas miúda só no tamanho. Pois era bem
comprida, assim como há de ser o espírito de todo mundo que vive em estado de
Minas. Sim, “em estado de Minas”, já que Minas não é apenas um estado
geográfico, mas também um estado de alma, um estado de fruição de tu com tu
mesmo.
E, de repente, eis que as pedras tomam forma,
transformando-se em uma gruta escura, onde morcegos faziam sua morada. E cada
um que ali depositava seus pés, surpreendia-se com as novas sensações que
passava a conhecer. Medo e curiosidade mesclando-se num só corpo, que ao sair
dali, sairia de alma e calças lavadas.
E ao ver a luz de novo, um novo desafio vinha à tona: a
ponte de madeira. Minuciosamente, um a um foi passando por ali, até chegar do
outro lado daquele paraíso sem fim: a cachoeira.
E quando todo mundo estava pensando que havia acabado,
surge, então, a Cachoeira da Lua. Era de dia. Mas a misticidade do lugar
prevalecia como se fosse noite, como se fosse Lua. E, dalí a pouco, todos se
jogaram na Lua. Todos se encontravam na Lua. Todos eram, finalmente, Lua.
Enquanto isso, um senhor de barbas brancas e olhos verdes explicava toda a Lua.
“Seu formato, sua aura, é uma Lua”. Na subida da Lua, um hippie (en)cantava com
seus instrumentos. Ora com o de sopro. Ora com o violão. Ora com o pandeiro. E,
por fim, com todos.
Como se toda a Lua já não bastasse para descarregar a
energia baixa, todas aquelas pessoas resolveram, por si só, inventar um jeito
de jogar fora o mau olhado, a má sorte e o corpo pesado. Chuá! Chuá! Ninguém
que entra sai como era antes. Chuá! Chuá! Descarrega o santo, que atrás vem
gente. Chuá! Chuá! A cachoeira que tá em mim chuaviza a cachoeira que tá em
você. Chuá. Chuavize. Que chuavizando você suaviza a vida.
Na hora da sesta, um susto. Uma ladeira que faz carro andar
pra trás sozinho e gente descalça cair no chão. Num chão de amendoim. Era a
Ladeira do Amendoim, donde ninguém sai isento de sentir o magnetismo surreal
ou, para os mais céticos, o desnível de uma rua de terra.
Chegar e dormir. Ah, alguns até pensavam que não aguentariam
mais um tanto de emoções, vibrações e canções. É chegada a noite na cidade de
pedras. E toda a energia concreta daquelas rochas começa a fluir. A emanar um
sentimento de pertença por aquele pedaço de chão. Daí, então, já nos sentíamos
cidadãos do mundo. Daquele mundo.
Um casal passava e nos indicou o Bar do Dois. Seguimos o
caminho das pedras. Cantamos noutro bar. Subimos uma rocha. Passamos pelo Ervalaches e,
enfim, chegamos às pedras que nos levariam à Pirâmide. Lá, onde os ventos uivam
incessantes e os cabelos voam sem parar. Onde, mais uma vez, a música apareceu
e, misturada ao som do vento, nos levou ao degrau mais elevado daquela noite.
E, daquele céu esvaziado, começou a brotar estrelas que não paravam mais de
crescer. Eram estrelas que mudavam de lugar. E ali ficamos, até o frio nos
dedos de quem toca pedir pra parar.
Mas no coração, a música nunca para. E ela pulsa forte, em
notas que nos fizeram descer, novamente, até o Dois. O Bar do Dois. E a
vibração das cordas daqueles violões nos agitavam no lado de baixo. Nos faziam
sorrir uns para os outros e ter vontade de juntar mão com mão, como diria uma
outra canção. E assim foi até chegar a madrugada, quando alguns pés cansados
resolveram esperar o novo dia chegar, voltando para a pousada. Enquanto isso,
uns outros iam para a Pedra Mágica. Uma pedra que não se molha, enquanto as
outras choram. E a música, de novo, foi ao nosso encontro, sendo a nossa
companhia.
Pés e dedos cansados levantaram logo cedo noutro dia. E,
ansiosos, corriam para pegar seu lugar ao Sol. Dum lado, uma cachoeira alegrava
as moças solteiras que queriam se casar: era ali que tava o Véu da Noiva. Do
outro, uma porção de borboletas azuis, dando a letra pra quem só pensa em viver
sua livretude, sem mais. E o Sol, nesse dia, resolveu dar as caras junto às
borboletas azuis. E a água gelada esquentou até quem tinha pé gelado, e tinha receio de sentir a força
da água em queda bruta.
E de pensar que tudo começou com um céu nublado. E de pensar
que podia ser apenas mais uma, só mais uma viagem. Mas não. Nunca é. Uma viagem
sempre será a melhor viagem quando você sai transformado dela. São Thomé me
levou à Lua. Voltei astronauta de mim.
me emocionei ao ler..... otima descrição .... saudades de thome
ResponderExcluirSaudades desse lugar magico ...bela descrição desta cidade sem igual...
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