12 de novembro de 2012

São Thomé das letras, das pedras e das canções


Céu nublado. Pingos finos sobre as pedras compunham o cenário daquela manhã cinzenta. E aquela cidadela, toda maquiada naturalmente de pedrinhas, ia, aos poucos, nos convidando a nela adentrar. E nisso até os cachorros eram acolhedores. Tinham ares de quem sabe viver bem. Bebiam da mesma água que nadavam. E cheiravam todo corpo novo, a fim de desejar boas vindas.

Era uma cidade miúda. Mas miúda só no tamanho. Pois era bem comprida, assim como há de ser o espírito de todo mundo que vive em estado de Minas. Sim, “em estado de Minas”, já que Minas não é apenas um estado geográfico, mas também um estado de alma, um estado de fruição de tu com tu mesmo.

E, de repente, eis que as pedras tomam forma, transformando-se em uma gruta escura, onde morcegos faziam sua morada. E cada um que ali depositava seus pés, surpreendia-se com as novas sensações que passava a conhecer. Medo e curiosidade mesclando-se num só corpo, que ao sair dali, sairia de alma e calças lavadas.

E ao ver a luz de novo, um novo desafio vinha à tona: a ponte de madeira. Minuciosamente, um a um foi passando por ali, até chegar do outro lado daquele paraíso sem fim: a cachoeira.

E quando todo mundo estava pensando que havia acabado, surge, então, a Cachoeira da Lua. Era de dia. Mas a misticidade do lugar prevalecia como se fosse noite, como se fosse Lua. E, dalí a pouco, todos se jogaram na Lua. Todos se encontravam na Lua. Todos eram, finalmente, Lua. Enquanto isso, um senhor de barbas brancas e olhos verdes explicava toda a Lua. “Seu formato, sua aura, é uma Lua”. Na subida da Lua, um hippie (en)cantava com seus instrumentos. Ora com o de sopro. Ora com o violão. Ora com o pandeiro. E, por fim, com todos.

Como se toda a Lua já não bastasse para descarregar a energia baixa, todas aquelas pessoas resolveram, por si só, inventar um jeito de jogar fora o mau olhado, a má sorte e o corpo pesado. Chuá! Chuá! Ninguém que entra sai como era antes. Chuá! Chuá! Descarrega o santo, que atrás vem gente. Chuá! Chuá! A cachoeira que tá em mim chuaviza a cachoeira que tá em você. Chuá. Chuavize. Que chuavizando você suaviza a vida.

Na hora da sesta, um susto. Uma ladeira que faz carro andar pra trás sozinho e gente descalça cair no chão. Num chão de amendoim. Era a Ladeira do Amendoim, donde ninguém sai isento de sentir o magnetismo surreal ou, para os mais céticos, o desnível de uma rua de terra.

Chegar e dormir. Ah, alguns até pensavam que não aguentariam mais um tanto de emoções, vibrações e canções. É chegada a noite na cidade de pedras. E toda a energia concreta daquelas rochas começa a fluir. A emanar um sentimento de pertença por aquele pedaço de chão. Daí, então, já nos sentíamos cidadãos do mundo. Daquele mundo.

Um casal passava e nos indicou o Bar do Dois. Seguimos o caminho das pedras. Cantamos noutro bar. Subimos uma rocha. Passamos pelo Ervalaches e, enfim, chegamos às pedras que nos levariam à Pirâmide. Lá, onde os ventos uivam incessantes e os cabelos voam sem parar. Onde, mais uma vez, a música apareceu e, misturada ao som do vento, nos levou ao degrau mais elevado daquela noite. E, daquele céu esvaziado, começou a brotar estrelas que não paravam mais de crescer. Eram estrelas que mudavam de lugar. E ali ficamos, até o frio nos dedos de quem toca pedir pra parar.

Mas no coração, a música nunca para. E ela pulsa forte, em notas que nos fizeram descer, novamente, até o Dois. O Bar do Dois. E a vibração das cordas daqueles violões nos agitavam no lado de baixo. Nos faziam sorrir uns para os outros e ter vontade de juntar mão com mão, como diria uma outra canção. E assim foi até chegar a madrugada, quando alguns pés cansados resolveram esperar o novo dia chegar, voltando para a pousada. Enquanto isso, uns outros iam para a Pedra Mágica. Uma pedra que não se molha, enquanto as outras choram. E a música, de novo, foi ao nosso encontro, sendo a nossa companhia.

Pés e dedos cansados levantaram logo cedo noutro dia. E, ansiosos, corriam para pegar seu lugar ao Sol. Dum lado, uma cachoeira alegrava as moças solteiras que queriam se casar: era ali que tava o Véu da Noiva. Do outro, uma porção de borboletas azuis, dando a letra pra quem só pensa em viver sua livretude, sem mais. E o Sol, nesse dia, resolveu dar as caras junto às borboletas azuis. E a água gelada esquentou até quem  tinha pé gelado, e tinha receio de sentir a força da água em queda bruta.

E de pensar que tudo começou com um céu nublado. E de pensar que podia ser apenas mais uma, só mais uma viagem. Mas não. Nunca é. Uma viagem sempre será a melhor viagem quando você sai transformado dela. São Thomé me levou à Lua. Voltei astronauta de mim.


(Crônica inspirada em viagem à São Thomé das Letras (MG), em novembro de 2012).

Uma folha que passou em minha vida.
Um beijo doce da natureza. Ficou lá em São Thomé.
Mas continua em mim.

2 comentários:

  1. me emocionei ao ler..... otima descrição .... saudades de thome

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  2. Saudades desse lugar magico ...bela descrição desta cidade sem igual...

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